terça-feira, 31 de maio de 2011

Isto não é um concurso

Seguindo a proposta desse Blog, nós, as caríssimas autoras, achamos que é hora de quebrar com essa merda de autoria, que só leva a autoridade. Onde já se viu, não é mesmo?, ficarmos brincando de casinha, de donas da verdade, sobrecarregando vocês de teoria, raiva e iconoclastia? Não é só disso que se faz um ativista, e tampouco este é meramente o espaço da nossa catarse. Não! Aqui também se brinca, também se pinta: peguem seus lápis de cor e sirvam-se das paredes do manicômio capitalista. Cansamos de tanto branco!

Como já foi dito, estamos aqui também para exercitar o nosso olhar e o nosso coração. Vamos brincar, não mais de sair à caça do digníssimo significado das obras de pura arte. Que tal um pouco de Calvinball nas nossas vidas? Por isso, o post de hoje não é nosso, mas seu, leitor: tudo quanto brote dos seus pensamentos e da sua boca quando se encontrar com o desenho aqui deixado. O post de hoje é publicado direto na sua mente, direto na sua alma.

Pra peteca não cair, para que essa não seja apenas uma pintura solitária pegando poeira em um blog inabitado, ESCREVA, comente, se EXPRESSE! E aqui começa o nosso não-concurso: vamos escolher aleatoriamente um texto dos leitores para ser nossa publicação de domingo. Ou todos, ou vários: suas danças, seus desenhos, seus suspiros todos são bem vindos nas paredes virtuais do manicômio! E se, ao deparar-se com o desenho, tudo que vier de vocês for silêncio, bom, que seja! Nós pensaremos outra coisa para cobrir o vazio... Paciência!

Clique na imagem para amplia-la.

domingo, 29 de maio de 2011

O EGOÍSMO DA RAPOSA

" Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"

Depois de pensar bastante, cheguei à conclusão de que a melhor retórica da humanidade, ou pelo menos a preferida, a que deixamos que nos convença mais depressa e aquela com a qual desejamos convencer aos outros, muito mais efetiva que a razão, é a beleza. Não sei que espécie de efeito encantatório possui a estética que, se bem encaixada, desvia totalmente nossa atenção do conteúdo, do argumento que ela envolve. Talvez, por ser exatamente a beleza apenas um invólucro, nos detenhamos nela primeiro, antes de avançar para as camadas mais sutis e secretas de um quadro, de um poema e de um livro. É isto: acho que a beleza, como uma barragem, detém nosso olhar, de modo que às vezes nos tornamos repetidores de uma mensagem apenas pela imagem, pelo quadro que ela nos forma, e não verdadeiramente pelo conteúdo.

Creio ter sido isso que a raposa fez comigo durante todos esses anos, desde que li o Pequeno Príncipe – um livro bonito, sempre achei. Desde que isso aconteceu, aos meus 16 anos, a frase que inaugura o texto ficou emoldurada na minha cabeça com um teor de verdade irrefutável. Dentro do contexto em que está, quando a Raposa fala a seu Pequeno Príncipe da paixão que sente, nos tornamos complacentes, compreensivos com a raposa, principalmente vendo-a tão meigamente desenhada a lápis de cor no alto de uma colina verde. Assim como eu, tenho certeza – certeza comprovada, certeza conhecida, não a certeza subjetiva de quando nos entregamos a um sentimento poderoso – que outros fizeram da mesma frase um evangelho, incorporando-a a sua vida, a seu modo de viver e de ver seu próprio mundo, seus sentimentos.
Porém, a melhor arma contra a retórica da sedução é despi-la de seu apelo. Mais de uma vez, parafraseando alguma coisa que me parecia certa, a mera tradução, mudança de palavras ou a ausência da rima me fez ver quão errada, questionável ou falível era aquela mensagem. É como descamar a tinta e descobrir que aquilo que a tela tem de nobre é justamente a pintura: a tela sob ela não passa de tecido ordinário. 
 
Foi assim que desmascarei a raposa e sob ela descobri apenas um egoísmo desesperado. Que diz a Raposa? “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Que, uma vez amando o Pequeno Príncipe, esse sentimento será a fonte de sua alegria, mas também de sua espera. Que este amor trará a plenitude, mas apenas na presença de seu amado: enquanto ele não chega, será inquietação e angústia. “A felicidade tem seu preço”, continua a Raposa: mas a responsabilidade por este preço é inteiramente do Príncipe, e não dela mesma. É de seu amado, e não de seu coração.

Então, sob esse pretexto, a Raposa prossegue em seu discurso: manda que seu querido vá encontrar-se com a Rosa, que ele cativara primeiro. Diz que, uma vez tendo conquistado a estima e o coração daquela flor, o Príncipe tornara-se responsável por tudo que aquele amor a fizesse sentir. Diz a Raposa que teria então de zelar pelos sentimentos da Rosa; que se tornara eternamente refém daquilo que diria ou não a ela, e faz o Príncipe sentir-se profundamente culpado pela discussão que tivera com a Rosa tempos antes. Faz o Príncipe esquecer-se de que também a Rosa o cativou e, portanto, também ela era responsável por ele. Faz o Príncipe esquecer-se de que, tal como magoara a Rosa naquele momento antes de deixar seu planeta, também ela o magoara. Faz o Príncipe esquecer-se de que não existem no amor, cativados e cativadores, apenas almas que se envolvem mutuamente. A Raposa faz o Príncipe esquecer-se de si mesmo, da contrapartida que tanto ela quanto a Rosa lhe deviam, e o torna eternamente cativo de suas paixões, dos seres que o envolveram; torna-o eternamente responsável pelas oscilações que causa a esses seres exatamente e apenas por ama-los.

Sou responsável pela minha rosa...repetiu ele a fim de se lembrar”.

E a Rosa, o que teria dito?

Vídeo da Semana:

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CAMINHO DO MEIO: A ESTRADA QUE LEVA À DIREITA


Ultimamente a maioria dos lugares onde eu chego não demora muito para receber uma chuva de perguntas e olhares. E bem seguido a isso instala-se a polêmica. É que já faz algum tempinho que percebi que o único caminho rumo à transformação é o radicalismo, e não o caminho do meio.

O caminho do meio não é esse mundo de flores não. Geralmente ele é pintado como sendo um estado de paz de espírito, harmonia, mas está muito longe disso tudo.

O caminho do meio é aquele que leva muitos a estagnarem no seu ovo-lacto-vegetarianismo. Pessoas que dizem que não veem problema nenhum em ter uma vaquinha no quintal, algumas galinhas e “trocar” com elas. Mas não tem vaquinhas, nem galinhas, nem quintal e continuam adquirindo leite, ovos e derivados no supermercado mais próximo. Pessoas que não compreendem o quão prejudicial anos e anos de domesticação foi, e é, a esses animais.

O ser humano foi selecionando artificialmente todas as espécies que o cercam, animais ou vegetais. Esse papo de modificação genética não é somente papo de transgênicos e laboratórios high tech não. Modificação genética também é escolher que vai cruzar com quem, beneficiando e transmitindo as características que EU quero que sejam beneficiadas e transmitidas. Aliás, foi observando exatamente isso, que Darwin chegou a Teoria da Evolução através da seleção natural.

Esse caminho do meio não é bonito e pacífico. Esses dias escutei uma moça que disse que foi vegan durante muitos anos, mas já não o é mais, preferiu o caminho do meio. E ela me perguntou se eu já havia tido vacas em casa, e me explicou que quando adquiriu o sítio dela havia uma única vaca no local, que estava grávida. Ela cuidou da vaca e de seu bezerro, não quis vendê-los, nem separá-los. Mas que o bezerro cresceu, virou um touro e continuou mamando na mãe. A pobre vaquinha ficava machucada por conta das chifradas que tomava de seu filho adulto que ainda mamava e seu leite pingava, pois o animal já não o consumia com tanta frequência. E foi aí que ela decidiu começar a extrair um pouco do seu leite para consumo próprio.

Primeiro cabe a comparação do nosso boi domesticado com outros animais semelhantes a ele, como búfalos, por exemplo. Em seu estado selvagem, nenhuma fêmea viveria para sempre sozinha com seu filhote. Esses são animais que vivem em bando, e o simples fato de estarem privados dessa convivência social já lhes é prejudicial. Isso não é “trocar” com esses animais. Isso é forçá-los a viver a milhares de quilômetros de sua forma natural e satisfatória. Isso é buscar argumentos falaciosos para justificar a exploração!

A mesma coisa vale para a galinha doméstica. Também já ouvi, de outra pessoa, que muitas galinhas colocam seus ovos e os abandonam, se não forem consumidos estragam e fedem muito. Mais uma vez vou falar de seleção artificial. Há quanto tempo essas aves estão domesticadas? Tempo suficiente para tê-las tornado levemente mais gordinhas, com a taxa de reprodução maior e uma maior postura de ovos. Tudo isso para benefício de quem? Do seu maior algoz.

Mas o caminho do meio não está restrito ao especismo, ele se espalha por todos os meandros da nossa sociedade, como água que entra por debaixo da porta e toma todo o chão por onde pisamos.

Nas discussões de gênero mais uma vez me deparo com ele. É comum escutar frases como “ah, eu concordo com você que mulheres não devem apanhar do marido e que não é legal ela se matar na cozinha, limpar e passar enquanto o folgado assiste TV e coça o saco, mas daí a dizer que maquiagem e salto alto é sinônimo de machismo já é demais”. Não, não é demais! Demais é ter que aturar piadinhas infames sobre frescuras, excesso de vaidade e atividades do lar. Demais é ter que engolir cantadas na rua. Demais é ter que conviver com roupas e sapatos desconfortáveis para poder trabalhar. Demais é ter que ouvir seus professores (homens) abrindo caminho para seus colegas de turma (homens), elogiando-os e fornecendo oportunidades a eles, enquanto você é renegada a um canto da sala, não importe o quanto grite. Demais é constatar tudo isso. Constatar!

O caminho do meio também está no sistema econômico vigente. Essa coisa de dizer que não precisamos ser contra o capitalismo para lutar contra a exploração dos animais, ou para desejar igualdade entre seres humanos, querer que ninguém seja explorado em fábricas na China ou coisas semelhantes. E eu pergunto: como não? Essa é a base do sistema capitalista: desigualdade! Para que o dono da Nike possa fica bilionário, fabricar seus tênis ao menor preço possível e vendê-lo com o maior lucro possível, ele não pode se dar ao luxo de tratar bem seus funcionários, pagar salários que permitam que eles levem vidas dignas sustentando suas famílias.

E ainda digo mais. Essa coisa de dizer “eu não acho legal que as empresas tratem seus funcionários assim, mas eu não vou deixar de comprar meu Nike por causa disso. Se eles quiserem mudar suas políticas seria ótimo, mas até lá paciência” é a maior merda que esse papinho de caminho do meio já inventou.

Sem falar nos danos ambientais gerados por um sistema baseado no consumo. Para que as pessoas (que não são poucas) possam consumir, os produtos tem que ser fabricados, e para serem fabricados a matéria-prima tem que vir de algum lugar. E lá vamos nós destruir a Amazônia, cavar grandes minas, dizimar espécies, poluir os rios, os mares, o ar...

O caminho do meio é aquele que diz “se você não gosta de pintar as unhas e andar maquiada, tudo bem, mas respeite quem gosta”; “se você não quer comer carne, ovos e leite tudo bem, mas respeite quem quer”; “se você não quer comprar Nike tudo bem, mas respeite quem quer”. Só que não é bem assim que a coisa funciona, não é mesmo...

Quem vai respeitar o animal que jaz morto no SEU prato? Quem vai respeitar o cabelo em baixo do MEU sovaco e me dar um emprego com ele lá, no lugar onde quiser nascer? Quem vai respeitar o trabalhador nas fábricas da China, com jornadas e salárias próximos a de um escravo? Quem vai respeitar as árvores no chão e os rios transformados em grandes esgotos?

O discurso do caminho do meio vem floreado e mascarado. Pode até parecer bonito e convincente a muitos desavisados. Mas é falacioso e egoísta. Eu não estou aqui, falando de animais mortos porque quero que você respeite o fato de EU ser vegetariana. Estou falando disso porque quero que você respeite os animais que você insiste em comer. E veja bem, isso não é te desrespeitar, isso é apenas ressaltar o fato de que o SEU discurso sobre respeito vai somente até onde o SEU ego permite. Todo resto é comodismo.

Eu fico cansada de ver as pessoas se perderem num imenso labirinto de argumentos vazios e mentirosos apenas para justificar suas atitudes. Às vezes acho que, no fundo no fundo, elas sabem que o que estão fazendo prejudica enormemente uma série de vidas, mas não desejam admitir isso nem para si próprias. Por quê? Por que tanto medo de sair da zona de conforto? Por que tanta estagnação se é tão mais fácil viver o amor e o verdadeiro respeito?

E antes que algum seguidor do caminho do meio venha atacar meu texto por ter misturado várias formas de opressão, eu peço encarecidamente que saiam de cima do muro, pois todas as formas de opressão são exatamente a mesma opressão. Eu não vou mais traçar esse paralelo tradicional, porque não é uma questão comparativa simplesmente, é exatamente a mesma coisa. E eu só não citei mais realmente por falta de espaço, mas pense nos homossexuais, nos transgênero, nos que não desejam ter gênero, nos negros, nos asiáticos, nos indígenas, nos gordos, nos que nasceram bastante fora do padrão de beleza vigente, nos que tem narizes grandes, nos dentuços, naquele menino que gostava de matemática na sua escola e passava o recreio sozinho num canto do pátio... Pense nas menores coisas, vasculhe seus maiores e menores preconceitos. Todos eles tem exatamente a mesma raíz, eles não são parecidos, eles são a mesma coisa.

O caminho do meio é, na verdade, uma ponte sutil que leva para o caminho da direita. Ele fornece uma alternativa para as pessoas que não conseguem viver com a culpa, diz a elas “fique tranquila, você está fazendo alguma coisa, vai ficar tudo bem”. Entrar e seguir essa via, é aceitar o sistema como ele é, apenas mascarado de um discurso politicamente correto.

Para tornar esse um mundo realmente harmonioso a gente tem que parar de fingir que respeita o outro, ampliar nosso campo de visão e passar a verdadeiramente respeitar OS OUTROS.

domingo, 22 de maio de 2011

Coturno


A gente acaba achando que os coturnos nunca morrem.

Você pensa, “isso foi feito para uma guerra” e pensa que nunca vai para a guerra. A situação para a qual a botinha foi feita afasta-se materialmente da realidade de quem a sua: intransponível barreira das possibilidades imaginárias e hipotéticas.

A barreira, porém, não é muro, mas um caminho. À guerra? Talvez não, mas as agruras do cotidiano vão roendo a sola de borracha, e o couro (sintético) tão tenaz no princípio, vai-se dobrando ao tempo, vai-se tornando macio. E essa maciez, ao microscópio da vida, são as pequenas ranhuras e machucados que o couro vai sofrendo; a moldagem vem do desgaste.

Freud disse que um cachimbo é só um cachimbo: um coturno é só um coturno. Nada de alegorias até aqui.

O meu passou sei lá quantos anos ao meu lado. Talvez cinco. E no meu caso, embora viesse a calhar com um estilo que flertava com o gótico, era uma necessidade usar coturnos, ou galochas em geral, na minha rua. Era lama que se apoderava desde a sola dos pés até os tornozelos. Linda, vermelha, pura. Lama primordial, eu diria, mas lama mesmo assim. Cagava a casa inteira se por esquecimento entrássemos de sapato, ou se tivéssemos que correr até o banheiro sem ter tempo de tirar o calçado. Nesse caso, o coturno era conveniente porque, impermeável, deixava a lama na rua, e entrava lustroso e negro em casa, como se nada tivesse sofrido.

Enganos! Meu coturno sofreu cada tempestade, uma a uma. E eu nem olhava que ele mudava com o tempo. Que perdia o lustre, e que a sola estava comida, dando forma exata ao meu caminhar. Notava, Às vezes, umas rugas, algumas expressões de dor e cansaço. Deixava-o recompor-se atrás da porta, até a tempestade seguinte.

Também usava coturno nos dias de frio: esquentar as canelas é preciso.

E ainda, nos shows de rock: nunca se sabe o que vai se encontrar no chão desses lugares.

Nos bares e nas boates ia de coturno pelo mesmo motivo.

Não lembro do dia em que aconteceu. Ele estava encostado atrás da porta da casa de uma amiga minha, onde eu o tinha deixado depois de um certo acampamento. Amanhã eu pego, amanhã eu pego, e o amanhã chegou tardiamente. Já embalsamado pelas teias de aranha, calcei o coturno, andei alguns metros, e a sola ficou no caminho. O cansaço o tinha vencido: ainda na mortalha, deixei-o eternamente na casa dessa amiga com quem já não falo mais, porque me faltava coragem para jogá-lo fora pessoalmente. Alimentei certo tempo a ilusão de encontrar um sapateiro que lhe desse uma sola nova, mas mesmo antes disso ele estava morto para mim, encostado eternamente atrás da porta.

Minha rua foi asfaltada. Sepultaram a lama primordial sob a grossa casca de concreto, da qual as sementes que dormem serenamente ainda vão se erguer. Eu vejo um lindo fim do mundo!

E no entanto, não deixa de chover. E você sabe que, quanto mais imunda, quanto mais urbana, melhor a água conhece o caminho para o seu pé. Ela transpõe qualquer sapato; ela corrompe a secura, a integridade do ninho de meias que protege você do frio e da sujeira. O gótico no meu armário hoje não passa de uma múmia nostálgica de roupas que eu não tenho coragem de jogar fora; não tem nada que rime com a palavra bota no meu guarda-roupa. E ela continua necessária.

Não existirá outro coturno em minha vida. Anônimo, foi o único. Testemunha fiel, retrato, termômetro, evidência, artefato da minha vida: descanse em paz, atrás da porta do céu, que há de ser o céu dos sapatos. Caminharemos no Éden, esmagando a grama dos jardins sagrados, saltitando nas mornas tempestades de Deus.

Parte 2:

O luto. Ele estava em todas as botas que eu via, e nenhuma delas era tão boa quanto ele. E se é verdade que em meu armário nada sobrevivera (em bom estado) que combinasse com um coturno, mais verdade ainda é que não há nada no armário ou em mim que combine com as botas maravilhosas e femininas que povoam as vitrines. Ser mulher nunca foi minha especialidade, e as finas botas de camurça (legítima) das boutiques da vida torciam seus empinados narizes para mim.

Além disso, não tenho nenhuma necessidade urgente de matar barata no canto, onde aliás acho que elas gozem de todo o direito de realizar suas refeições dignamente.

Até que comprei essa bota aqui, que não diz nada. De couro gritantemente falso, com umas tachinhas do lado, é o que é: uma bota. Sem mais. Deixa a lama do lado de fora, e impede que a água encontre caminhos para as minhas meias. Ei-las, botas, no meu pé, esquentando as minhas canelas, como deve ser. Vinha usando meio a contragosto, sempre pensando no dia idílico em que visitarei meu irmão em São Paulo – Passárgada! – e comprarei coturnos novos. Sem nem notar que a superfície muda de seu couro farsante já cedia ao peso, à falta de feminilidade, às ruas toscas, aos bares mijados. A bota de uma liquidação granfina esquecia-se pouco a pouco de seu berço de ouro, e já tinha nela impresso meu rosto escrachado e um bafo de café.

Então hoje, fui no cinema com você, ver o filme do Thor. Eu estava feliz do seu lado, sabe, mesmo com aquele frio todo. Tirei as botas em respeito à poltrona do cinema e Às muitas bundas alheias que não têm de se sentar sobre as migalhas das ruas e da minha vida. Tirei as botas para colocar os pés na poltrona, e percebi que estávamos nós três assistindo ao mesmo filme: eu, você e as botas.

Agora que elas te conhecem, posso afirmar que são verdadeiramente minhas.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mulheres da minha infância e reflexões para contos futuros

Muitas mulheres povoaram meu imaginário durante minha infância e adolescência. Eu acho que sempre tive um olho meio atento para essas questões relativas às questões de gênero. Claro que isso foi crescendo e amadurecendo junto comigo. No começo as coisas são todas muito sutis e ingênuas. Mas já se manifestam, basta olhar com atenção para aquele pontinho para onde o olho insiste em se desviar.

Eu cresci rodeadas pelos filmes mágicos da Walt Disney. Minha princesa preferida era a Bela que, apesar do nome, não era a mais bonita das princesas, mas sem dúvidas a mais estudiosa. Ela começa o filme cantando sobre sua paixão pelos livros, desdenha o bom partido da cidade. Ela consegue enxergar além das aparências, ver muito além da Fera. Minha cena preferida sempre foi a que ele dá a ela a biblioteca de presente.

A princesa mais linda, aos meus olhos, sempre foi a Jasmine. Ela está chegando a idade limite para uma princesa se casar, mas se recusa a aceitar um casamento arranjado. Ela quer casar por amor! Liberta os pássaros de sua gaiola dourada e os vê, com um sorriso nos lábios, voar em direção ao sol. Depois pula os muros do castelo e vai em busca de uma vida somente sua, onde possa errar e acertar livremente. E no final beija o vilão, sem medo, para salvar seu amor.

Como não lembrar da princesa índia, Pocahontas? A filha do cacique também não deseja um casamento arranjado, mesmo que seja com aquele considerado o melhor partido. É um espírito livre, que deseja simplesmente criar asas e voar. Ela se comunica facilmente com os seres da floresta, de uma forma única e especial, os compreende e carrega todos eles consigo. Quem não se lembra da belíssima canção “Cores do Vento”? Uma música que ainda hoje me faz sorrir!

Também lembro com carinho da Meg, essa que rejeitava a paixão em detrimento da razão. Ela que já havia entregue seu coração uma vez e perdido tudo. Mas ainda assim foi capaz de tirar um Deus do Olimpo e fazê-lo levar vida de mortal.

Mas inesquecível mesmo, foi Mulan. Essa não é tecnicamente uma princesa, nem será, pois seu pretendente não é um príncipe. Ela foi a heroína mais inspiradora, a mais inteligente de todas. Quando o filme foi lançado eu tinha 12 anos, fui vê-la no cinema. Algumas semanas depois cortei meu cabelo como o dela. Foi um dos maiores frissons da minha vida vê-la provocar a avalanche e derrotar os unos.

Além das personagens da Disney, houveram outras mulheres que também povoaram meu imaginário infantil.

Na pré-adolescência foram as Spice Girls. Eu almejava gritar “Girl Power” ao lado delas. Uma ingenuidade boba e infantil, mas sincera de sentimento.

Das páginas dos livros também surgiu a Hermione. Uma menina que lutava contra o duplo preconceito, primeiro por ser mulher e depois por ser mestiça. Mas ela supera todos, sempre brilhante! Eu sempre achei que ela fosse o par mais adequado para o Harry, e fiquei bastante decepcionada quando ela termina a saga casada com o Rony parindo montes de filhos dele.

Depois também vieram alguns filmes. Não é muito comum que o cinema se lembre delas, mas ocasionalmente acaba acontecendo. Quantos filmes você consegue listar que foram baseados na vida de grande mulheres do passado? E quantos na vida de homens, grandes ou pequenos?

Mas ainda assim tiveram alguns filmes que me marcaram: Joana D´Arc, Até o limite da honra, Erin Brockovich...

No entanto, nas últimas horas que passei aqui analisando e repensando as heroínas que marcaram o início dessa minha jornada me ocorreu uma coisa: TODAS elas tinham um homem em suas vidas! Mesmo a virgem Joana D´Arc tinha Jesus a acompanhá-la. Nunca ninguém criou uma heroína lésbica ou simplesmente solteirona? Nunca ninguém contou a história de uma grande mulher lésbica ou solteirona?

A Bela não poderia ter aberto sua própria livraria? Poderia ser feliz para sempre com seus livros. A Jasmine não poderia aprender a governar e ser sultã? A Pocahontas não fica com o John no final, ok, é preciso admitir... Ela poderia ter ido para Inglaterra casar com ele e escolheu permanecer na América, mas ainda assim ela o amava e ficou com pesar. A Meg torna-se Sra. Deus Grego, literalmente. A Mulan não poderia ter escolhido aceitar o cargo de conselheira real? Trabalhar ao lado do imperador... E sabe, agora que penso bem, nem acho que a Hermione deveria ter ficado com o Harry. Na real acho que ela tinha era que ter ficado com a Gina, isso sim teria sido perfeito!!!

Mesmo os filmes que já vi que tratavam exclusivamente da questão homossexual, aqueles que fizeram barulho e levantaram as bandeiras do arco-íris, quantos e quais eram lésbicos? Milk, Brokeback Mountain, Do começo ao fim, Delicada Atração, Shelter, A lei do desejo, O talentoso Ripley, Billy Eliot (apesar de não ser explicitamente homossexual, apresenta a temática), Madame Satã... A lista continua...

Onde elas estão?

domingo, 15 de maio de 2011

Vagabundas dizem NÃO

Temos que tomar cuidado com o conceito de destruição. Andamos encarando essa palavra como a solução final dos nossos problemas: uma vez o alvo reduzido a pó, respiramos aliviados e partimos para o próximo. No entanto, tenho me perguntado se a destruição existe na materialidade dos fatos. Afinal, quando destruímos um prédio, por exemplo, não fica um buraco negro, uma porção de vácuo, onde antes ele estava: fica alguma coisa. Ficam os escombros.
 E há formas e formas de se destruir um prédio. Você pode implodí-lo. Você pode acertá-lo com aquelas grandes bolas de metal, várias vezes, até que ele esteja no chão. Pode explodi-lo, pode invocar o Godzilla para derrubá-lo, pode conjurar um terremoto, motivar a ira divina... E para cada maneira de se destruir um prédio, há um tipo de entulho produzido: alguns com tijolos e alicerces ainda inteiros, outros totalmente reduzidos a pó. Seja como for, mesmo o mais fino pó que se dispersa ao vento é ainda um resto, um escombro. Logo, sempre que se destrói, também se cria. Esta coisa criada é a que me preocupa.
Então, quando se trata do machismo, do capitalismo, da homofobia, não podemos achar válida qualquer destruição, qualquer método e qualquer sujeito. Alternativas relâmpago, grandes promessas, idéias imediatistas não devem ser recebidas pelos nossos braços incondicionalmente abertos. Uma dose de desconfiança salutar deve ser introduzida da nossa luta. Não uma desconfiança paralisante, cega, que nos impeça de agir como unidade, com coesão. Mas uma desconfiança crítica, perspicaz, capaz de ver os rumos que os métodos apontam em si mesmos, que nos torne capazes de dizer “não, não é ESSA a luta que eu quero”.
Com essa desconfiança eu recebi a notícia de uma tal “Marcha das Vagabundas”, ocorrida no Canadá. Diante da afirmação de certo policial, de que “mulheres são estupradas porque estão no lugar errado, na hora errada e com a roupa errada”, as meninas subiram nas tamancas e foram de lingerie para as ruas: pintadas, penteadas, descabeladas, esgoelando-se por seus direitos. Cartazes em riste: “vagabundas dizem SIM”, e não devem ser discriminadas (que dirá estupradas!) por causa disso.
Vi os defeitos primeiro – por sinal, defeito meu. A marcha das vagabundas é uma grande fetichização da mulher pornô-farmacológica. Nós, donas de nossos maravilhosos corpitchos, podemos dar à vontade sem aquela preocupação arcaica de engravidar. O machismo já pegou essa nossa liberdade e a distorceu faz tempo: sobre a mulher APTA a trepar, construiu uma mulher DISPOSTA a trepar. Com qualquer um, a qualquer custo, a mulher contemporânea vive um grande pornô, no qual as mais sutis insinuações são sinais de um tesão que está a ponto de transbordar sobre o mundo a qualquer momento.
Não só isso, quais são os olhos que se deleitam no corpo da mulher quando vestido de rendas e cintas-liga? “Vagabundas dizem sim”, mas para quem? Com quem essa marcha dialoga? Com o homem heterossexual, é claro.
           Uma mulher que diz SIM, mas somente quando quer e a quem quer. Uma marcha que veio dizer que a vagina não é uma porta aberta: o fato de eu gostar de sexo e estar transando com Fulano não quer dizer que queira transar com todos os integrantes dessa casta bio-simbólica. É aqui que a gente vê que o machismo é esse gato escondido com o rabo de fora: os homens não costumam ver-se como gênero, costumam aparentar que não se vêem enquanto conjunto e que não defendem os interesses um dos outros. Mas basta a mulher soltar um AI e os homens todos entram em alvoroço.
Eu ainda não tinha um veredicto quanto à marcha das vagabas: sim? Não? Seria válido trazer essa marcha altamente fetichizante para o Brasil, onde a mulher é um símbolo nacional e sua sexualidade é moeda de troca do turismo? Uma marcha que, apesar de uma mensagem urgente e contundente, é também aberta a perigosas ambigüidades? Estamos num país onde a regra é tirar a roupa, e os policiais da boa forma estão em cada esquina prontos a gritar “baranga” ou “gostosa”, deixando bem claro se você está fazendo tudo certo ou não.
            A resposta veio do face de uma amiga minha, onde uma discussão inflamou os ânimos das feministas de plantão. Um homem, que por sinal se entendia como feminista (vai saber o que essa palavra significa hoje em dia...), veio dizer que a marcha das vagabas era pura perda de tempo, uma idiotice. Em primeiro lugar, desde quando roupa é prioridade? Que coisa fútil, não é mesmo? Com tanta gente passando fome, ser estuprada é fichinha. Quer sair de noite? Pega um táxi, vai de burca, ou fica em casa, que é mais seguro. Porque afinal, o pênis é essa coisa incontrolável: uma vez que os olhos de um homem afundem no decote da menina, o futuro é incerto, e o estupro é um fato. Não podemos nos responsabilizar pelos dados biológicos, todo homem é tarado, ninfomaníaco, descontrolado, e a cabeça do pau não raciocina. Fiquem em casa e guardem suas vaginas.
            Dei um pulo na cadeira: como é possível alguém expor o nome e a face no face para defender o estuprador? É claro que a defesa está nas entrelinhas, mas também é claro que a imediata identificação de gênero do falante com o estuprador fez o cidadão-comentador escolher seu lado na história imediatamente, sem pensar. O que nos aponta algo muito sério: ainda estamos na sociedade do estupro corretivo. Aquele em que um bom chá de pica vai logo te mostrar que você não é lésbica, não é vagabunda, senão pelo fato de que não encontrou a pica certa ainda. Mas que vai encontrar.
            É. Com todos os seus defeitos, talvez precisemos de uma marcha das vagabundas para levantar a voz, com todo o resto do corpo, contra essa sociedade. Mas eu proponho outra frase: “Vagabundas dizem NÃO”. Numa sociedade em que a adoração ao falo é a religião oficial e em que o sexo com homens é obrigatório, numa sociedade onde nossas vidas, das roupas à saúde pública, são voltadas para o prazer orgástico do homem, a nossa liberdade sexual começa onde paramos e dizemos NÃO.

Vídeo da Semana:

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Era talvez um objeto subversivo

“Tudo o que antes era subversivo agora pode ser comprado em qualquer loja.”

É com essa frase que eu quero começar. Essa frase que está ressoando com força dentro de mim, causando dor e pânico.

Desde o dia em que notei que o sistema me abraçava por inteiro, comecei a ser assolado por essa dor, por esse pânico. Eu já não sei precisar quando foi, nem como foi. Acho que essa é uma daquelas coisas que nos pegam desprevenidxs numa quarta-feira chuvosa e tediosa, dentro do ônibus lotado enquanto a gente tenta chegar em casa. Ônibus sempre foram meus locais preferidos para fazer reflexões profundas. Às vezes, quando estou realmente precisando pensar, eu chego a desejar que a viagem dure mais.

Talvez seja algo relacionado aos sons desconexos e selvagens do trânsito. As palavras abafadas das conversas quentes, e um eventual celular cujo dono recusa-se a plugar os fones de ouvido. Aquele chacoalhar constante e as paisagens nem sempre agradáveis que correm rápido demais para que nossos olhos se prendam em alguma coisa. E assim a gente segue pensando. Até que um dia a ficha cai, e você sente o abraço morno e venenoso do sistema.

O banco do ônibus nunca foi um lugar confortável. Viajar em pé menos ainda. Mas ainda assim a gente dorme em pé por mais um dia, tentando esquecer o pensamento do dia anterior. Mas agora já é tarde, ele já te invadiu, já te penetrou e já se instalou. Nesse momento, a única coisa que sobrou foi o turbilhão de perguntas subsequentes. E para elas, parece que ninguém consegue encontrar a resposta.

Era quarta ou era quinta? Quando começa a bater o desespero a gente começa a se apegar em detalhes desimportantes. Eu tava com a mochila vermelha no meu colo, dentro do ônibus. A viagem era longa demais pra ir em pé. Eu esperei pelo próximo ônibus. Então acho que não tava chovendo, se tivesse eu não ia querer ter ficado no ponto mais tempo. O meu guarda-chuva tava quebrado.

Ah é... Eu me lembro agora. Tinha um bottom na minha mochila. Um botton que já não tem mais. Bottons são efêmeros, sabe. Talvez eles acabem no mesmo lugar que as xuxinhas de cabelo e as canetas... Mas eu não sou desse tipo de pessoa. Nunca fui. Nunca fui de perder objetos, até bem pouco tempo eu ainda tinha uma bolsinha cheia de fivelas de cabelo. Fivelas que eu colecionava desde bem pequenas. Algumas até bem feias, muitas que eu nem cheguei a usar. Talvez seja algum tipo de prazer esdrúxulo de dizer que eu não perco minhas coisas, eu posso abrir o armário a qualquer momento e te mostrar onde elas estão. Mas para quê? Eu realmente não sei onde foi parar o bottom.

Pequenos e grandes objetos que simplesmente existem, existem e me encaram, me afrontam. Todos os dias eles me lembram que o sistema me abraça, me engloba e me estupra. E eu fico lá, olhando pela janela do ônibus, cansada demais pra reagir.

Houve uma época em que eu chorava muito, pensava em morrer. O dia em que isso passou eu me lembro. Esse não foi um dia qualquer, com a mochila no colo. Mas também terminou dentro de um ônibus. Quando a gente volta pra casa, as pistas são longas e a ponte também era. A ponte infinita que liga as ideias. Ela conecta tudo. E de ideia em ideia a gente vai construindo tudo que julgamos ideal, o próprio nome já diz... Óbvio, não?

Hoje, a tristeza, a depressão, a infelicidade já não existem mais. Elas foram substituídas pela indignação, pelo inconformismo e pela revolta.

Mas só isso não basta. Eu deveria ser capaz de algo mais, de subverter de verdade. Talvez todos nós, pseudo-subvertores da ordem vigentes, vivemos num universo esquizofrênico, acreditando em coisas que só nós acreditamos. Eu gosto de pensar que não, mas talvez esse seja meu ego querendo me convencer de alguma coisa.

Eu ando é ficando meio cansada de tantos talvezes. Queria algumas respostas que parecem nunca vir, e a cada nova esquina, a cada nova curva que o ônibus faz só me surgem novas perguntas. São só interrogações pairando no ar, sem começo nem fim, muito menos meio. Se tivesse um meio já seria alguma coisa, pelo menos poderia percorrer durante algum tempo, quem sabe até ajudar a construir um fim, acho que o começo já não importa tanto. A gente acaba descobrindo eventualmente de onde as coisas vieram, mas é mais importante saber como elas foram parar lá.

Eu ainda tento entender como fazer pra parar de comprar as coisas que eu acho que não deveriam estar nas lojas. Nada deveria estar nas lojas. Aliás, lojas nem deveriam existir. Nada disso deveria. Fico lembrando daquele videozinho das rochas e da roda. Eu tive medo da civilização... Eu tenho medo. Medo não. Medo eu tenho de sentir dor, dor física, porque acho que já me habituei as torturas psicológicas. Será que é igualmente possível se habituar as torturas físicas?

Outro dia li uma matéria sobre uma moça que trabalha no médico sem fronteiras, desde aquele dia aquelas palavras não me saem da cabeça. Ela contando sobre mulheres em algum lugar na África, que sofrem estupros coletivos, 30, 40 homens... Acho que isso estaria no topo da minha lista de medos. Só que agora eu tô me perguntando por que. Se você prestar bem atenção, todas as torturas são, no fundo, psicológicas. Afinal, se você não morrer por conta das físicas, as feridas sempre são curáveis, umas demoram mais que outras, umas deixam cicatrizes maiores que outras... Mas a mente, nunca esquece. Ela é aquele diabinho que nos fala sobre o que acontecerá depois, sobre o que já aconteceu antes, sobre valores e morais que nos foram ensinados, sobre todas essas coisas que eu gostaria de refazer, redesenhar e reescrever.

Talvez eu já esteja reescrevendo. Ou talvez seja só mais uma artimanha do meu ego achar que isso é uma reescritura. Talvez seja só o sistema achando mais uma forma de me burlar, de me ludibriar e de me engolir mais um pouco.

É que atualmente eu moro relativamente perto, e meus caminhos de ônibus ficaram muito curtos. Já não fico nem 10 min no coletivo. Já não dá pra levar o pensamento tão adiante assim...

Talvez seja hora de adquirir uma bike...

Talvez...

domingo, 8 de maio de 2011

A DESBIOLOGIA DO CORPO, O COITO COMO RITUAL

“O machismo nunca brocha!”

Esta sincera frase foi cunhada por uma grande companheira de luta. Infelizmente, a lógica fálico-racional que regula a credibilidade dos discursos atribui à sátira um lugar desprezível em nossa sociedade. Pudera! É no seio deste gênero literário, que hoje abarca um sem número de maneiras de se exprimir (charges visuais, sketches em vídeo, por aí vai) que as maiores críticas ao falo acontecem. Por vezes, o próprio falo troça de si, desnaturalizando-se, mas por vezes nós, companheiras de luta, também nos utilizamos deste espaço que é, talvez, o mais didático que possuímos. Frente aos riscos pedagógicos que a sátira oferece ao status quo, convém ao falo marginalizá-la; portanto, a frase de nossa companheira lutadora, semanticamente rica e de uma clareza por demais perigosa, é afastada de nossas reflexões filosóficas. Fazê-lo, porém, só concentra ainda mais o poder no grande falo simbólico que regula nossas vidas.

Como este manifesto também se dirige aos companheiros de luta que já tenham se entendido como sujeitos da opressão e que estão profundamente comprometidos em deixar de sê-lo, traduzirei a frase de nossa companheira.

O machismo está presente, provavelmente, em todas as organizações sócio-culturais da face do planeta. Porém, em cada cultura assume uma face, respondendo às configurações materiais dos locais onde tais culturas estão estabelecidas. Em certos lugares, como o país tropical onde vivo, é dever da mulher despir-se; em outros, o papel da mulher é cobrir-se. De uma maneira ou de outra, o corpo da mulher passa por uma economia de panos que é também uma economia simbólica: em cada lugar, ser mulher significa uma coisa distinta, mas há algo que nunca muda: esse significado é cuidadosamente desenhado ou dirigido por homens. Então, para cada homem de cada sociedade, a mulher LHE significa algo de diferente. Nunca percamos essa informação de vista: é ela que nos permite ver que as mulheres não têm nacionalidade, senão a de ser mulher. As nacionalidades hoje configuradas no globo nada mais são do que pantomimas, tristes e toscos teatros através dos quais o machismo só faz se reafirmar e se reproduzir.

Portanto, compreendo que o caso a seguir narrado pode não ser encontrado na cultura da lutadora que tem em mãos esse documento. Todavia, a causa do ocorrido está presente em todas as civilizações hoje habitantes do planeta Terra. É possível que, em uma sociedade mais profundamente infiltrada da moral burguesa, pareça um relato abstrato e descabido. No Brasil, contudo, que é onde se passa essa história, é assim que as coisas procedem: a moral burguesa encontra barreiras sócio-econômicas e culturais que nos divide, mulheres, entre as classes operárias e os setores médios da população. Se uma ou outra moral imperasse, o caso seria banal, mas é no choque das ideologias classistas que a polêmica vem à tona, e vem à tona pela força e interesse do machismo.

Minha sociedade chocou-se com o fato de uma mulher ter abandonado uma criança de oito meses em uma lixeira. O caso foi amplamente divulgado, e a mulher, que ainda não foi identificada, sumariamente condenada por rejeitar a dádiva fálica de ser mãe. 

Concordo que seja de fato uma situação triste. Concordo que é uma ruína que um ser vivo com perfeitas condições de crescer, desenvolver-se, experimentar o planeta em todas as suas manifestações físicas e psíquicas de prazer, seja abandonado à própria sorte como foi. E aqui entra nossa inimiga Biologia, disfarçada de senso comum, infiltrada veladamente nos meios de comunicação de massa: trata a mulher como desnaturada, quer seja: mulher que inexplicavelmente perdeu sua natureza biológica, isto é, encontra-se desprovida de seu senso natural de maternidade.

A Biologia tem mil disfarces, sendo uma longa tradição de pesquisadores-pensadores que fazem circular suas idéias dentro e fora dos meios científicos com técnicas que foram aprimoradas com centenas de anos de experiência. Eis uma: quando a infiltração moral do falocentrismo é por demais evidente e potencialmente representa um demérito para a própria Biologia, ela vai declamar sua ode ao falo em outras paragens. Talvez não se encontrem, nas grandes universidades, nos respeitados papers da academia, artigos a respeito da maternidade inerente à mulher. Isto porque a Biologia está incansavelmente de plantão ao lado dos grandes meios de comunicação de massa, das revistas e dos jornais. Sempre à escuta da possibilidade de propagar suas teorias mais ardentes, suas teorias mais infundadas, em publicações que prescindam de provas: para o jornal, a prova de que o biólogo diz a verdade é ser ele biólogo.

E a Biologia é hoje responsável pela circulação de um mito um tanto antigo, mas que continua a reger a vida de milhões de mulheres no planeta. Embora ela já tenha se revisto e hoje já não apóie mais seu antigo discurso, plantou em seu lugar novas mentiras que, por meio deste manifesto, hão de cair em muito breve. Essa mentira é de que a mulher é corporal e materialmente incapaz de sentir orgasmos, a não ser como uma manifestação de sua psique histérica.

O mito de que a mulher é um não-sexo, de que ela é apenas um ícone que adula e realiza a sexualidade do falo, sexualidade esta externa à mulher, alheia, é o que torna todas as violências sexuais, físicas e simbólicas, possíveis. Alienada de seu próprio corpo, e sempre pressionada a comparecer ao coito, a mulher logo se conforma com o fato de que seu prazer na cama, se não irrealizável, é em geral secundário ao do homem. Esse pensamento, aliado a uma longa criação de submissão e silêncio, logo faz com que a mulher deixe de importar-se com seu próprio corpo, contentando-se em ser objeto de desejo, em oposição a um sujeito que deseja.

O clímax desse coito é, logo, o orgasmo do homem. O esperma é o ponto final viscoso do ato sexual: depois disso, vem o banho, vem a cama, ou vem um arrumar-se apressado para continuar a vida. Se a mulher está ou não saciada, satisfeita, não vem ao caso, pois o grande falo agora vai descansar. A ejaculação, assim, tem a função indispensável de sinalizar que ali acaba o prazer, sendo também o símbolo máximo de uma submissão que não raro é paternalista: a mulher recebe o leitinho, a semente. Mesmo quando o sexo não visa à reprodução, alude a ela, simula-a, encena-a; a mulher é simultaneamente o latifúndio e o território que deve ser assinalado pelas gônadas do macho.

Daí vem o problema plástico da camisinha, que interrompe o ritual da submissão. A camisinha, objeto descartável, levemente disforme, corta o prazer sexual do homem em sua raiz simbólica. Ele tentará a todo custo removê-la, e nesse sentido perverterá a libertadora pílula anticoncepcional numa prisão química para que a mulher não procrie, mas também não deixe de receber a hóstia do coito, o leite sagrado.

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Dizem que a camisinhas foi o primeiro método contraceptivo a ser criado. Já ouvi histórias que datam de milênios. Uma vez tive uma professora de história que disse que o famoso Rei Sol, na França, mandava fabricar camisinhas com pedras preciosas, para impressionar suas amantes. Fiquei pensando o que eu pensaria se alguém me mostrasse sua pica coberta de brilhantes: “acho que essa porra vai me arranhar...”.

Eu não possuo os dados para afirmar com certeza quando, como ou por que a camisinha foi inventada. Talvez tenha sido algum fetiche, vai saber.

O fato é que, na nossa sociedade falocêntrica, baseada numa cultura judaica-cristã, a camisinha acaba sendo a grande inimiga. Afinal, num sociedade onde o sexo é algo que acontece no mundo privado, como é que os machos provam que suas picas funcionam? A resposta óbvia é: engravidando SUAS mulheres.

A pílula anticoncepcional surgiu com o slogan de libertação feminina. Mas mal sabiam elas que era apenas mais uma algema disfarçada. Essa prisão química, muitas vezes é a porta de saída da libido feminina. Não é incomum ouviu mulheres relatando uma queda significatica na libido após o início do uso da pílula. Sem contar todos os efeitos colaterais a curto e longo prazo da ingestão continuada de hormônios: varizes, retenção de líquidos, aumento nas chances de câncer de ovário, aumento na chance de câncer de mama...

Além do que, quem usa pílula são mulheres de classe média e alta. Às classes mais baixas. Muitas vezes falta informação sobre como tomar a pílula de maneira correta. Conversando certa vez com um tio ginecologista ouvi coisas assustadoras acontecendo em pleno séc. XXI: mulheres que achavam que deveriam tomar uma pílula após cada relação; outras que pensavam ter que introduzir a pílula na vagina antes da relação. Uma grande confusão que é atravessada por diversos tipos de opressão, mas todas igualmente centradas no falocêntrismo.

A pressão para tirar a camisinha é igualmente grande. Que machão que aceita “chupar a bala com papel”. E é sempre em favor do prazer DELE que pressionam para tirar o artefato de látex. E se ela engravidar? Azar! Quem mandou abrir as pernas? Agora que crie sozinha, com todo o estigma que, ainda hoje, carrega uma mãe solteira. Se tiver dinheiro pode recorrer a uma clínica de abortos supostamente muito boa. Se não tiver, paciência. Tenta a sorte com citotec ou joga na lixeira do hospital.

A verdade é que todos os úteros estão a serviço do grande falo dourado. E se você se recusar a utilizar o seu, irá queimar nas fogueiras santas. Como ousa? Que heresia!

Enquanto os homens não iniciarem seus caminhos para compreender e lutar contra seu próprio machismo, essa luta continuará sendo inglória. É chegada a hora de compreender que o prazer masculino não vale mais, e que a camisinha FICA! Porque o MEU útero não é uma máquina geradora da sua prole, não estou aqui a serviço da linhagem real das picas douradas!

Vídeo da Semana:

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Água, fogo e triângulos

Ultimamente ando abordada e atordoada por perguntas descabidas. Me perguntam o que significam as histórias que escrevo, as intenções do blog para o qual colaboro, o que significa minha tatuagem, por aí vai. Eu tenho razoavelmente respostas para tais perguntas, o que é substancialmente diferente de dizer que tenho AS respostas.

Temos que nos resignar ao nosso cristianismo. Por mais que refutemos algumas de suas premissas morais, estamos nessa empresa há dois mil anos. São dois mil anos de infiltração cultural. O cristianismo chega a cantinhos e reentrâncias da nossa cultura e de nós mesmos, que nós nem sonhamos, nem conseguimos imaginar. Quem quiser dedicar-se a erradicar esse fungo, vai se deparar com o problema óbvio de que fungos não têm cabeças. Isso aí, fungo não tem cabeça: não adianta você acreditar que há um cerne de cristianismo que origina tudo o mais, e que uma vez sufocado, matará todo o resto por falta de nutrientes. Cristianismo está em você nos lugares mais sórdidos e mais sujos. Se você deve lutar contra ele? Claro! Vá em frente. Elimine o máximo que você puder. Mas esteja pronto para conceber que a sua empreitada é mais ampla e também mais profunda do que você imaginara antes.

Uma das seqüelas dessa cultura entranhada é nosso hábito de considerar os significados intrínsecos às coisas. Primeiro, confundimos significado com índice. As nuvens pesadas indicam que vai chover, mas não significam nada. O índice é essencialmente parte do acontecimento. Índice é algo que antecipa, que indica, que antecede. Que há de se transformar naquilo que anuncia. Os povos que acreditavam na leitura das estrelas não achavam que as posições significavam os acontecimentos que viriam, mas que os causavam: as estrelas não eram um mapa, mas eram corpos em profunda interação com o resto do universo, portanto capazes de alterar o rumo das estórias.

Significar é, pois, o gesto humano de dar a alguma coisa um sentido; o significado é, pois, arbitrário e cultural. Se flores significam paz, se coroas significam reis, não há nada de paz e de reis nos objetos que portam tais significados. Mas fomos criados segundo essa cultura, na qual um grande Senhor criou o mundo numa ação intelectual. Esse modelo de cosmogonia nos torna muito receptíveis à idéia de que o mundo material – ou sensível – é portador de significados intrínsecos.

Isso foi algo de bom que a faculdade de comunicação fez por mim. Nas aulas de história do cinema – que não tinham esse nome, mas eram mais ou menos isso. Ao explicar as vanguardas do cinema, a professora deixou claro que nem tudo é Hollywood e Notre Dame no mundo das narrativas. Pode ser que o modelo de historinha que tenha prevalecido comercialmente seja este em que o significado se pretende inerente ao filme. Porém, muitos foram os diretores e roteiristas que queriam dar ao público uma experiência menos engessada. Houve muitos diretores e roteiristas que apostaram na criatividade de seus espectadores para, a partir da experiência sensorial da película, tecer seus próprios significados, e até suas próprias histórias. Muitas dessas pessoas a que me refiro consideraram verdadeiramente tirânico que a narrativa cristã à qual somos acostumados desde os contos de fada da infância conduzisse as pessoas todas a um único denominador comum, a uma única conclusão, a um único significado. Muita gente, como eu, acredita em um leitor capaz de criar a partir dos elementos que lhe são dados, um leitor que não se resigna a perseguir um significado, mas que se ocupa de inventar um. Eu também sou esse leitor.

Eu andava triste e angustiada com essa coisa de escrever no blog. Ativismo é um negócio que às vezes dói. Hoje eu não queria me lembrar das mazelas femininas, do sofrimento das outras espécies. Fuga? Eu diria descanso. Acredito que o ativismo, como a expressão intelectual ou artística, deve ser motivo de alegria e realização, e muitos dos nossos leitores (muitos? LOL) devem compreender que essa realização não vem da angústia. Passei o dia hoje lembrando não mais dos meus inimigos, mas dos meus objetivos, mentalizando os animais que sobrevivem porque eu não os como, ou porque os tirei da rua, ou porque hoje lhes dei pipoca no chão da praça; o ativismo também tem belezas que só o ativista conhece.

Adquiri (sem pagar) um DVD do filme Fantasia, da Disney. Comecei pelo Fantasia 2000 porque anos atrás, quando o vira pela primeira vez, estava nessa cegueira, nessa esteira automatizante de encontrar o significado, encontrar a historinha por trás de cada animação. De fato, algumas tinham historinhas já mastigadas, para cair direto no sangue do leitor-espectador. Mas tinha uma animação logo no início que não tinha historinha nem personagem. Eram só água, fogo, nuvens e triângulos voadores. Hoje, me deixei levar nas asas daqueles polígonos que não diziam nada por si mesmos. De vez em quando eu elegia um ou outro para ser meu personagem, meu protagonista. Dava-lhe um nome. Ele gracejava com suas asas de três pontas cachoeiras que caíam do céu, ou fogo que saía da terra. Inventei o céu e a terra, mas também brinquei com as possibilidades – afinal, por que todo azul há de ser céu? Pode ser a porta do meu armário, que também foi pano de fundo das minhas fantasias particulares. Os triângulos sumiam e reapareciam, e faziam claras alusões a borboletas. Mas podiam ser pássaros! Podiam ser prendedores de cabelo. Milhares de pregadeiras voando e brincando, com um armário azul-bebê no fundo. O chão, que parecera magmático, podia ser a madeira do meu quarto: por que não? E assim eu passei alguns minutos, ao som de uma das sinfonias de Beethoven, brincando à larga com as possibilidades. Possibilidades são uma luxúria.

Não tenho AS respostas de nada. Quero morrer livre dessas respostas que são antecedidas por artigos determinados. Quero ter as minhas próprias respostas, um baralho cheio delas, e quero ser livre para de tempos em tempos recombiná-las, compondo uma espécie de caleidoscópio de significados.
Como um móbile cheio de pregadeiras!

domingo, 1 de maio de 2011

A Centaura

Ela era ruiva, seus cabelos da mesma cor flamejante que o corpo eqüino da cintura para baixo. A sua parte humana, contudo, era total e completamente animal, de um jeito que nós humanos não podemos ser. Em seu olhar, em suas mãos, estava totalmente nua desta humanidade que nos aprisiona. É inconcebível, agora acordada, aquela humana não-humana, gozando de uma natureza que nos é amputada desde sempre. Da mesma maneira que a cambraia invisível da civilização nos veste de maneira inconfundível, a ela não vestia. Da mesma maneira que um padre nu é ainda um padre, nem com todas as roupas do universo seria humana aquela centaura.

Para ela não existem palavras exatas; os sons e símbolos da humanidade automaticamente tornariam-na humana, posto que nossa única e precária maneira de entender a natureza é humanizá-la, com nossas rudimentares palavras. É significar o insignificável. É encaixotar o deslumbramento e demolir a liberdade.


No meio de uma rua humana, suburbana e noturna, perto da sarjeta onde navega o lixo diurno no fluxo de nossa merda, ela apanhava de uns cinco homens, todos com o mesmo rosto, todos meio com barba, todos meio sem dentes, que a açoitavam com varinhas de bambu. Açoitavam-lhe as pernas e o rosto - estava bom onde quer que lhe caíssem os golpes - como se a violência fosse o próprio fim. Eles açoitavam a natureza daquele corpo desnutrido, que já carregava os sintomas de estar na cidade há tempo demais, ancorada exclusivamente na memória de um lugar aonde se tornara impossível regressar. Dentro de nós, carregamos cada um um lugar do passado ou da infância que já não podemos visitar, que já não existe ou que está perdido. Mas sabemos que, enquanto estivermos vivos, o lugar não terá perecido totalmente, posto que, em nosso íntimo, nós somos o próprio lugar. A centaura carregava em si, dentro e fora, em toda a sua extensão, o próprio Planeta.

Eu perguntava ao homem - que eram 5 e 1 - por que estava fazendo aquilo. Ele me respondia sucintamente que ela tinha que aprender.

Para que não morresse, eu a resgatei e a trouxe para casa, onde minha família a recebeu com a mesma  condescendência com que receberia um novo cão e um novo gato. A centaura estava faminta e queria comer a grama do jardim, mas minha mãe não podia deixar uma menina assim tão linda abaixar-se e comer no chão, como um cavalo. E centaura sentou-se à mesa, recebeu um prato de alface, azeite e sal. E nunca mais curvou-se diante do Planeta.

A centaura tinha frio, mas minha mãe não podia deixá-la aninhar-se com os cães no meio do mato, porque ela era uma menina tão linda. Ganhou uma cama com edredons e travesseiros de plumas, e nunca mais deitou-se no seio da Terra.

Quando estava já mais alimentada, quando o brilho voltava aos olhos de fogo, minha mãe decidiu que a centaura ainda cheirava a floresta, e arranjou para ela uma banheira com hidromassagem, sais e xampu. Fez nela uma touca de bolhas e espuma, desembaraçando as melenas e a cauda, fez massagem e hidratação na centaura, que agora já sabia uma ou duas palavras - obrigada e sim-senhora. E no meio do banho, a centaura ganhou um Nome, em batismo de espuma.

Em uma semana a Centaura foi embora alimentada, linda e perfumada, nua; mas não como antes. Lavada a floresta da alma, foi-se embora da minha casa humana.

Vídeo da Semana: