domingo, 18 de dezembro de 2011

Onde elas estão?





Desde o começo desse ano, tenho tido com os marxistas uma relação... dialética. Se, por um lado, aprendo, troco muito com eles, por outro eles me deixam uma porção de pulgas atrás da orelha que acho válido de comentar (vou ser sucintx, juro).

Todo marxista sabe que as ciências de que dispomos são burguesas: pensadas por e para uma classe a fim de atender seus interesses específicos. Essa classe, por sua vez, não é um mero conjunto de corpos genéricos que internamente se organizam de maneira horizontal, justa e autogerida, mas que a burguesia tem uma cultura, uma raça, um gênero, uma orientação sexual, e por aí vai. No entanto, tem hora que muito marxista faz ouvido de mercador, e lança mão exatamente das ciências burguesas para validar seus argumentos – e, ao que parece, a História é a menina dos olhos.

Desde março ou abril que não me sai da cabeça aquela oração “a história do Homem é a história da luta de classes”. Do homem, pode até ser: dx negrx, da mulher, ou seja, a história “dos outros” (como o cara pálida tem nos chamado) é uma outra história... Gente, POR FAVOR, chega de confundir HISTÓRIA com PASSADO. Enquanto ciência, a história NARRA o passado, e o faz elencando como protagonistas aqueles que politicamente são eleitos enquanto tal. Igualzinho às fábulas de Esopo, minha gente, a História é só uma narrativa pensada como meio de justificar uma moral.

Da maneira como a história tem sido contada, a mulher só entra em cena quando se envolve em algum evento da luta de classes. Tirando isso, reina um silêncio sepulcral: parece que elas não fizeram nada de interessante nesses anos todos. Que não pensaram, que mal viveram, e que não contribuíram, em absoluto, para que o mundo seja o que é hoje. Parece que fomos, menos que coadjuvantes, o cenário do Épico do Pau.

A lição número um do feminismo é saber que histórias são contadas por pessoas com interesses específicos: esse ponto, aliás, acho que está mais do que batido. Porém, a pergunta que vem a seguir é: o que essas mulheres estavam fazendo, e onde, e como?

O sistema falocrático não diz respeito só à economia, e a prova disso é o silêncio sobre a produção cultural feminina. Artistas talentosas, pensadoras argutas, escritoras férteis de obras profusas... obras que certamente eram “vendáveis” foram engavetadas pelos engravatados críticos e editores: o critério da “qualidade” nunca foi o que regeu a entrada da mulher no mundo das artes ou do pensamento, como querem de nós que acreditemos.

Nesses dias de TPM tenho feito muitos quadrinhos para extravasar. Porque, afinal de contas, o que se passa no mundo mágico do meu útero nada tem a ver com meus amigos e companheiros. Enquanto ninguém provar que folha de papel tem sentimento, e que fica magoada por eu descontar nela todas as minhas angústias, muitos caderninhos inocentes serão torturados. Lá pelo meio dos meus rabiscos, surgiu a pergunta: onde estão AS cartunistas? Decerto existem. Mas ONDE ELAS ESTÃO?

Como diria o ditado, “que las hay, las hay”, e fui com tudo – via tumblr, Google, Wikipédia – atrás delas. E encontrei! A maior parte restrita à produção alternativa, zineira – como moizinha. Algumas com um acúmulo de anos, obras publicadas, personagens... enfim. Inspiração para quem precisa!

Suzy-X (http://seesuzysketch.blogspot.com/) é bem atual, retrata problemas do cotidiano de feminista. Na mesma temática, tem a zineira http://www.juliedoucet.net/. Alison Bechdel escreve quadrinhos protagonizados por dykes, numa tirinha que foi publicada durante anos em diversos jornais, e neste site (http://dykestowatchoutfor.com/) muito simpático encontra-se alguma de sua produção. Também foi publicada em português, http://www.universohq.com/quadrinhos/2007/n10102007_10.cfm.

Elas estão por aí...

domingo, 11 de dezembro de 2011

Para imprimir, para distribuir, para refletir...



O texto não está, assim, um primor. Na verdade, se comparado a outros aqui do blog, está mesmo ruim. Mas se eu aprendi uma coisa nesta vida de vegan e feminist, é que a atenção de gente intolerante é rara, e quando a há, é curta. Muitas vezes, quando a pessoa se depara com um texto grande demais e que, logo de início, tende a destruir tudo em que acredita, rejeita-o quase imediatamente. Esse zine (ou flyer, ou whatever...) é uma tentativa de contornar o problema: entregar um zine na mão de alguém, com um texto sucinto, figuras "bonitas" (mas essa é uma questão para depois), às vezes é mais eficiente do que a estratégias tradicionais do bate-boca ou testamento.

Estamos tentando de tudo; estamos fazendo todas as experiências possíveis e necessárias. Não somos dones da verdade, mas onde chegarmos com ela, faremos de tudo para denunciar a falácia histórica de que a única história possível é essa que se vem contando, impondo e destruindo... E contamos com a SUA ajuda ^^

P.S.: Se alguém quiser as imagens em resolução e tamanho próprios para imprimir, basta mandar e-mail para coletivocaju@gmail.com ou (espero que funcione, não estou muito íntimx com isso aqui) 



Boa semana!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Um dia normal: entre a mitologia e o gardenal

Hoje eu tive um excelente dia! Sim, pros padrões da normalidade corriqueira eu tive um excelente dia. Acordei de bom humor, depois de uma ótima noite de sono, e fui logo saudada por aquele ser peludo e de rabinho abanando que dorme no meu quarto. A manhã estava agradável, o ônibus não veio lotado, e eu fui sentada confortavelmente até meu destino, lendo meu livrinho que hoje me pareceu mais interessante do que nos outros dias. O dia de trabalho transcorreu com facilidade, fiz mais vendas do que num dia comum, o que significa mais comissão. O pagamento também foi feito hoje, apesar do 5º dia útil ser somente amanha. Mas eu dei a sorte de ter uma patroa legal. É, ela é legal, compreensiva, se preocupa com seus funcionários, sabe... Voltei pra casa pra encontrar novamente aquele serzinho que sempre me espera na porta já com o rabinho em frenesi, pronto pra colocar seu brinquedo preferido aos meus pés e pedir um pouco de atenção.

Sim, hoje foi um ótimo dia. E no entanto a revolta ainda é latente dentro de mim. Revolta no sentido revolucionário mesmo, não que eu esteja de mal humor agora. É que revolta olhar pra esse dia supostamente bom e satisfatório e concluir que ele, na verdade, é uma bosta. Como posso me sentir feliz por ser explorada? Como alguém pode se sentir feliz sabendo que sua mais valia serve pra comprar carros com banco de couro prx patrxo legal e preocupadx? Como posso ficar feliz acordando na selva de pedra e vendo que estre ser tão carinhoso, que lambe minha mão pela manhã, dorme na gaveta de concreto que o aprisiona? Como alguém pode se sentir feliz domesticado e escravizado?

As chateações de verdade do dia perfeito (que obviamente não podia ser 100%, porque isso é vida real, né minha gente) vieram na hora do almoço. Primeiro o momento marmita... Mas esse momento já estou até excluindo da chateação diária, porque a gente se habitua com as desgraças. É uma triste acomodação. Durante o almoço minha marmita é sempre um evento, porque apesar de eu já estar dividindo aquele espaço de trabalho há alguns meses com as mesmas pessoas, é incrível a capacidade que elas tem de continuar chocadas com o fato de eu não ingerir cadáveres. Elas deveria é ficar chocadas com o fato delas ainda ingerirem cadáveres... ora...

E o segundo momento veio quando uma colega anuncia que talvez tenha que pedir as contas porque o marido anda chateado porque ela trabalha aos sábados, “dona de casa não trabalha aos sábados”, disse o pirocudo. Coitada, depois de parir 6 filhos pro filho da puta, finalmente encontrou um emprego que ela gosta e o babaca vem com essa. Nessas horas o machismo puxa nosso tapete, queria dizer pra ela gritar, se revoltar, largar o cara... queria dizer muitas coisas, disse algumas, outras seriam inúteis porque ela não entenderia mesmo... No fim fiquei pensando em todas nós, mulheres, e nas vacas leiteiras. Somos iguais! Eles pensam e agem como se nossos úteros estivessem a serviço deles. Perguntei por que ela teve 6 filhos, e ela me respondeu que o marido queria uma menina, então ela teve 5 meninos e parou quando veio a menina.

Se eu fosse dessas que leva mitologia a serio eu levantaria os braços e perguntaria “Por que Deus? Por quê?”. Mas como eu sou dessas que acha mitologia interessante mas não a leva a serio eu apenas ouço a resposta que não vem do além “Porque o kapital está a serviço do grande falo, minha filha... você ainda não sabia?”... É... eu sabia sim voz...

Eu comecei a desenhar esse texto na minha mente, dentro do ônibus voltando pra casa. E naquele momento fiquei pensando em frases tentando criar um titulo... E foi quase inevitável lembrar daquele jargão idiota que diz que “a ignorância é uma benção”. A ignorância é a chave mestra que mantem as engrenagens do mundo de opressão funcionando. O grande problema nisso tudo não está no fato de SER ignorante, mas de QUERER PERMANECER ignorante. Ignorar o problema, fingir que ele não existe, não o faz desaparecer, mas em muitos casos o afasta da nossa visão.

O que estou tentando dizer com esse texto é que considero realmente impossível ser feliz quando se decide seguir pelos caminhos de luta. Não dá pra sentir felicidade tendo consciência da sua opressão diária, da opressão das pessoas e dos seres a sua volta, da natureza... Estamos todxs enjauladxs, acorrentadxs, amordaçadxs, sendo diariamente estrupradxs, tendo nossxs úteros usados pra finalidades sujas. Nossas crianças já nascem marcadas a ferro, são arrancadas de nós e já estão condenadas... Somos todxs condenadxs.

É preciso deslocar o eixo de lugar, quebrar esse velho relógio. A felicidade jaz na luta voraz pela mudança. Olhar-se no espelho e constatar a beleza que é trazer um pouco de sangue nos olhos... Desejo e esperança... esse é o eixo...

E a voz mitológica que não vem do além insiste mais um pouco: “Não se preocupe não minha filha... O que Eles querem é isso mesmo, querem que todos vocês, ovelinhas, acreditem que a felicidade lhes pertencem. Porque só assim é possível etiquetá-la. Você não sabia? Em última análise toma aquele remedinho tarja preta... custa caro, viu... Mas promete felicidade!”

Foi mal aí dona voz... Mas eu prefiro manter a mente limpa e os olhos abertos. Ambos sedentos... sempre!