domingo, 15 de abril de 2012

O CORPO QUE HABITA MEU ESPELHO

Ela se olhou no espelho. Viu a silhueta por debaixo das roupas largas. Sentiu o tecido que lhe tocava a pele de forma suave. Acariciou os cabelos da cabeça. Sentiu com a ponta dos dedos que seus lábios eram, de fato, macios.

Sentiu calor.

Tirou a calça roxa que ficou jogada sobre a cadeira. Pode notar a calcinha cor de pele, já velha e desgastada, quase sem elástico, que deixava os pentelhos escaparem e se escondia por entre as nádegas volumosas. Notou aquela pinta que existe bem sobre a nádega esquerda. Se permitiu admirá-la.

Virou de frente.

Se demorou naqueles pentelhos que escapavam. Por que não haveriam de escapar? Quem os haviam condenado a prisão de algodão? Levantou uma perna lentamente, viu o volume que, juntos, eles tinham. Gostou do que viu.

Se demorou um pouco mais nos quadris. Com a ponta dos dedos, seguida de perto pelos olhos sedentos, acompanhou a linha entre a pele e os ossos, os ossos e a carne... Pulou por cada pinta, cada estria, cada marca...

Notou a barriguinha saliente que habitava mais acima. O conjunto dessa obra sempre fez muito sentido. O umbigo bem desenhado, o corpo carnudo com pequenos ossos saltados.

Se abraçou.

Acariciou os braços. Puxou levemente a alça da blusa e admirou por um instante a tatuagem sobre o ombro esquerdo. Cada pedaço de pele colorida gritava e ardia de desejo e saliva. Num puxão tirou a blusa e ficou a admirar o sutiã. Talvez a única peça de roupa disforme ali... Achou-o muito estranho e se perguntou o que ele fazia ali.

Com uma das mãos puxou o botão que ficava entre os seios. Ele saiu rápido e ligeiro num poup-up. Se inclinou para esquerda buscando ver a pinta que sabia se esconder no seio direito. Ali estava ela... Admirou novamente o conjunto da obra. Tudo parecia perfeito.

Ficou satisfeita.

Desejou por um segundo que alguém a tocasse, a beijasse, a percebesse... Desejou um pouco mais que alguém entendesse esse corpo perfeito em suas imperfeições. Desejou sentir o mais profundo desejo, o que estremece e faz esquecer. Desejou nunca ter que pedir por ele... Desejou nunca ter que desejá-lo. Desejou que ele apenas fosse...

Aumentou o som...

domingo, 8 de abril de 2012

CRISE, MINHA CRISE... MINHA TOTALMENTE CRISE...


Foram muitos dias de muitas emoções reprimidas vindo a tona de forma violenta. Foram dias de dor, alegria, choro, confusão e força. Saio daqui com uma percepção um pouco mais completa de mim mesma. Saio daqui com uma impressão um pouco mais precisa dos meus pontos mais escuros, tanto os objetivos quanto subjetivos...

Já fazem alguns anos (não muitos) que eu entrei em crise com a minha sexualidade. E essa crise, de alguma forma estranhamente familiar, parece só aumentar. Eu vinha num processo de achar que essa crise sem fim seria um problema exclusivamente meu, como se eu fosse a freak, a aberração, incapaz de lidar e entender meu corpo conectado a minha mente. Afinal, nos ensinam que crises tem de ser superadas, momentos de fraqueza e superação. Essa crise continuada, me parece agora, um estado pleno de construtividade da desconstrução.

Que eu não desejava “amar” da mesma forma que já “amei” (se é que aquilo que sentia era, de fato, amor) eu já sabia. Que eu desejava ampliar minha visão e entendimento sobre o que é, e como se faz sexo, eu também já sabia. Que eu desejava tocar e ser tocada, sentir pele, cheiros e fluidos de uma forma sexuadamente não-sexualizada eu também já sabia.

O que eu talvez não soubesse, talvez apenas desconfiasse de forma tímida e insegura, era que tudo isso brota de dentro de uma forma violenta, expontanea e doce ao mesmo tempo. Todas as minhas crises entraram em conjunção, num quase perfeito uníssono. E de repente, todo o barulho se tornou harmonioso... Não eram mais apenas gritos, eram gritos descontroladamente controlados, eram notas agressivamente carinhosas, era uma grande orquestra que tocava o hard core dentro de mim...

A crise não veio pra ser superada. A crise não tem finalidade externa, ela não serve pra ninguém mais além de mim mesma, ela não segue nenhum juízo moral alheio nem busca lógicas de honra e glória. A crise não me torna fraca, muito menos confusa. Ao contrário!

A crise me tornou uma mulher mais lúcida! Obrigada por estar ao meu lado, obrigada por dormir na minha cama, obrigada por me ensaboar quando tomo banho, obrigada por me cobrir quando saio na rua, obrigada por me desnudar mesmo quando ainda estou vestida, obrigada por me mostrar que o gozo escorre sem nunca ter feito sujeira nenhuma...