Para mim não há muito deleite nisso. Já vieram com a camisa de força discursiva, dizendo que eu tenho um transtorno qualquer de desafio às ordens. Eu tenho mais pé atrás com quem obedece do que com quem desafia, mas devaneios à parte, coisa que mudou minha vida foi Manuel Castells dizer para mim que as identidades são invenções. Desde as identidades nacionais, étnicas e culturais, quanto as individuais. Tente entender que ouvir isso aos 18 anos muda tudo: então eu posso ser o que eu quiser? Então eu posso definitivamente me sentar comigo mesma, no fundo de minha mente, sendo autora - ou ao menos narradora - dos processos que me configuram? Não estou, então, nas benfazejas mãos de uma cultura mãe, mas estou prensada nos dentes de uma cultura máquina? E com meu próprio ser, minha mera existência, já engastalha essas engrenagens todas? Quanto poder e quanta liberdade nessa descoberta.
Também quer dizer que, narradorxs que somos, ativamente, dos processos que nos constituem, não há descanso. Vem-me à cabeça nossa Bouvoir (não sei escrever o nome dela) dizendo que "não se nasce mulher, torna-se", e o fato de que o tornar-se é sempre inacabado. É um devir que, como diria Lacan, não cessa de não se inscrever. É mais constituído da falta do que do próprio constituinte. E quando eu decidi ser feminista, embora isso não tenha uma data que eu possa comemorar (eu faria festas incríveis), percebi que livros feministas não caíam do céu. E que era preciso me engajar no mais longo dever de casa da minha vida: tornar-me feminista, todos os dias, em todos os momentos, sob a pena de ser moída, digerida e eliminada pela máquina que está aí - ou aqui mesmo.
Ninguém disse que ia ser fácil. E desde que saí do armário com as minhas ideologias a me pavonear - porque meu feminismo é bapho, é diva! - todos os dias alguém me pergunta o que pode fazer para deixar de ser machista. Como já escrevi, um ano atrás, sobre o nosso cristianismo, escrevo com igual tranquilidade sobre o machismo: você vai morrer com o seu. Não concordo com quem diz que machismo se restringe apenas à ideia de que "homem>mulher" porque, veja bem, se todas as práticas de nossa cultura são estruturadas por esse pensamento, não basta mudar a ideia e aceitar no seu coração a oração de Saint Simone: o mero ser-quem-você-é e tudo que isso implica já é falocêntrico. Não é algo que habita nossa cabeça, mas algo que nos constitui, e nesse caso, repetindo a metáfora, seu machismo é um fungo, e fungo não tem cabeça. Ele não tem uma parte vital que, eliminada, faça o resto desaparecer. Ser-se é reproduzir a opressão e ponto: e só vai mudar se você, além de mudar de ideia, trabalhar a fundo para mudar as suas práticas.
Viajando nos tumblrs da vida, encontrei um material que pode ser um bom dever de casa para quem está nessa vibe de abandonar suas práticas opressivas. Como disse minha amiga no post anterior, de fato nós, ativistas, no maior das vezes nos dirigimos ao oprimido, mas pouco ao opressor. No meu caso, é um misto de despreparo e comodismo. Estou aqui sentadinha na poltrona do que "eu já sei fazer, e faço bem". E esse materialzinho gringo veio a calhar - não me lembro do nome do coletivo que produziu, o que é uma pena, mas veio do http://bigfatfeminist.tumblr.com/, tumblr que eu sigo e me diverte, além de me ajudar.
Então, vocês que se acham meninos, esse dever de casa é para vocês. É para imprimir e levar no bolso, colar no espelho do banheiro, e tudo mais.
Algumas dicas interessantes para homens desafiarem os privilégios de seu gênero.
1) Reaja quando ouvir piadinhas sexistas, como piadas de loura-burra ou piadinhas sobre estupro.
2) Evite palavras que tornem o gênero feminino algo negativo, como vadia, piranha, galinha, mulherzinha.
3) Reconheça quando você “dá uma viajada” enquanto mulheres estão falando. Reconheça quando você dá mais valor à opinião de um homem meramente por ele ser homem. Reconheça que você consulta outros homens em momento de dúvida, e que nesses momentos você poderia consultar uma mulher, e simplesmente não o faz.
4) Reconheça os momentos em que você “dá uma viajada” enquanto ouve uma mulher por estar sexualizando seu corpo.
5) Em atividades de grupo (seminários, plenárias), tome para si tarefas tais como xerocar, tomar anotações, fazer ligações telefônicas, providenciar creche; engaje-se em atividades tipicamente atribuídas à mulher. Encoraje mulheres a tomarem posições geralmente ocupadas por homens, tais como liderar encontros e atividades, atuar como figura pública.
6) Procure usar palavras neutras em gênero (criança, pessoa, gente) ou incluir todos os gêneros em seu discurso – ou pelo menos dois, “trabalhadores e trabalhadoras”, por exemplo.
7) Não diga a uma mulher como ela deve entender, expressar ou conceituar experiências de discriminação e sexismo.
8) Se uma mulher se ofender com alguma de suas atitudes ou palavras, não argumente de imediato: ouça-a. Se ela não aceitar suas desculpas, reconheça que ela não te deve desculpas. Ela não te deve nada.
9) Cheque regularmente com sua parceira se ela está confortável, realizada e empoderada em sua intimidade.
10) Não faça piadinhas sexistas sobre como ela te arrasta para atividades de mulherzinha, te força a sair e fazer compras, ou está irritável por conta da menstruação e/ou TPM. Confronte quem faz essas piadas. Não faça o papel do “cavalheiro sacrificado que pacientemente agüenta as frivolidades de carregar as compras da companheira”.
11) Seja educado, atencioso e dedicado para com mulheres, não porque sejam frágeis, débeis e incompletas, mas, pelo contrário, porque são seres humanos inteiros, plenos e capazes, que merecem tanto respeito quanto qualquer outro.
12) Quando uma mulher estiver executando uma tarefa, evite abordá-la e “ensiná-la a fazer o seu trabalho”. Claro que, se ela solicitar sua ajuda, você pode (e deve) interferir. Do contrário, simplesmente observe e aprenda que mulheres são tão perfeitamente capazes quanto você.
13) Desculpe-se assim que perceber que ofendeu alguém, quer a pessoa expresse isso, quer não. Diga com franqueza: “desculpas por ter dito isso, reconheço que eu estava errado e vou tentar não fazer isso daqui por diante”.
14) Não use expressões tais como “aja como um homem”, “crie colhões”, “homem de verdade” ou “pare de ser uma mulherzinha”.
15) Rejeite ou critique mídia e entretenimento que promovam sexismo. Não seja complacente com sexismo e discriminação só porque “ah, mas no final o filme foi bom”.
16) Não se ofenda caso uma mulher recuse sua ajuda. Ainda que você tenha genuinamente tentado ser um cara legal, se oferecendo para carregar objetos pesados ou segurando uma porta para ela passar, aceite que talvez ela não esteja precisando da sua ajuda. Procure não achá-la metida, convencida, arrogante: pense nela como alguém independente e corajosa.
17) Reconheça: pode até haver mulheres que odeiam homens (misândricas), o que é uma discriminação. Porém, são casos isolados, enquanto o sexismo contra mulheres é forjado por séculos de literatura, discurso científico, poder/conhecimento, filosofia, representações midiáticas, senso comum, etc.
18) Reconheça que certas representações da mulher que você pode achar positivas ou justas podem não estar nos ajudando. Observe que a maior parte dessas representações positivas são altamente sexualizadas, para poder apelar ao público masculino. (Exemplo clássico: super-heroínas).
19) Entenda que certas conquistas supostamente definitivas do nosso gênero (termos uma opinião, podermos falar de nossos pensamentos livremente, que podemos estar em qualquer espaço que desejarmos, de que podemos nos tornar aquilo que sonharmos) são conquistas duras e diárias para milhares de mulheres, e não concessões amplas ao nosso gênero.
20) Não fique se explicando com frases tais como “eu não estava querendo dizer nada com isso”, “foi só uma piada, você está exagerando”, “eu não sou sexista, sou amigo de várias mulheres”. Se você ofendeu uma mulher, ouça com atenção e aprenda com essa experiência.
21) Não policie o corpo de uma mulher, dizendo “você não deveria usar tal ou tal maquiagem”, “essa calça faz você parecer cagada”, “você está vestida como uma piranha,será tratada como uma”.
Muito boas dicas! =D
ResponderExcluirIta, apesar de ter lido atrasado, já que vc me mandou esse post a alguns dias, eu creio que ainda estou a tempo de expressar o que senti lendo isso.
ResponderExcluirbom, quero iniciar primeiramente lhe parabenizando por tal post, pois algo assim é de grande importância, importância essa, para que todxs possam ler e perceber esta nossa realidade, uma realidade de um sistema absolutamente machista e opressor. adorei suas colocações e essas 21 dicas são absolutamente importantes, como vc disse, é importante carregar essas dicas, impressas, copiadas ou etc.
gostaria de dizer que me senti emocionado ao ler isso, lagrimas rolaram pelo meu rosto, mas ñ por que achei lindo (o que de fato é) mas pelo fato de nós precisarmos de "mandamentos" para saber como agir como uma mulher, isso é uma expressão clara da nossa realidade, uma realidade que imprimi o fator fálico como se fosse a melhor coisa do mundo. esquecendo claramente, de toda a importância da mulher para todo o equilíbrio de nossas vidas, e não estou falando disso querendo elucidar o fato da mulher dar a luz, que isso fique claro, isso de fato é importante mas ñ é a única função da mulher e nós sabemos bem disso, n é Ita?
logo, quero dizer que isso é inspirador em muitos aspectos, pois mesmo que eu tente ao máximo ñ ter esse aspecto impresso em mim, em alguns pontos ainda estou me reeducando, justamente por que vivemos em uma sociedade que nos ensina isso desde pequenos, então retirar 25 anos de opressão de minha mente (contando somente com minha existência) é bastante difícil, mas ñ impossível.
obrigado pelas dicas e na próxima vez q me ver, saberá que a folhinha estará comigo, para que eu sempre me relembre do sentimento que me passou e da emoção ao qual senti ao ler seu belíssimo post!