quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

"São Pedro é do babado", afirma MCB

Tenho para mim que o jornalismo já deu. Aquela época oitocentista em que era possível pensar um discurso emanando de si mesmo em perfeita conformidade com o Real, uma objetividade cirúrgica capaz de recortar o registro linguístico das condições objetivas que o causam e determinam, limando o Sujeito da enunciação e deixando apenas um enunciado que fosse pura Verdade, acho que tudo isso está um pouco abalado. Acho que já ficou claro que a sensação de que estávamos diante de um discurso não-assinalado, portanto direto, específico, objetivo e universal, era a consequência política de esse discurso ser produzido por um conjunto restrito de indivíduos que assinalaram a si próprios como não-assinalados e universais. Preciso explicar que este sujeito é homem, branco e heterossexual? Acho que não.

Mas fico também pensando que esses consensos acadêmicos, que já me são tão enfadonhos de repetir, conservam algo de inovador para a maior parte da população do nosso país. Um país que recebeu a segunda onda feminista em plena ditadura militar, cujas políticas anti-racistas estão tão atreladas ao governo (e qualquer ativista do movimento sabe que essa é uma faca de dois gumes, embora traga benefícios inegáveis, e que não cabem a mim, branca, decidir), não foi um amplo palco de discussões acaloradas sobre a impossibilidade da objetividade do discurso. Aliás, muita gente deve se perguntar (nossxs leitores não, eu acho): mas o que é discurso, o que você quer dizer com sujeito, do que é que você está falando...?

Ao ponto: estava eu, feliz e contente informando-me sobre o mundo-cão que nos cerca, quando me deparo com essa notícia "engraçadinha" no jornal:


Diante do que, imagino, foi uma incrível falta de pautas relevantes... aliás, o que é pauta? Pauta é o que um bando de homens burgueses, brancos e heterossexuais, sentados em torno de uma mesa, decidem que nós, a massa trabalhadora falida e fodida, tem que engolir junto com o pão-com-manteiga (vegana, claro) antes de sair para matar mais um leão (coitado). É o que os editores de um jornal recortam, a partir de seu próprio olhar, como relevante acerca dos acontecimentos do mundo, preservando seus próprios privilégios. Porque, se houvesse uma agência feminista de notícias, não falta pauta: são umas dez por dia, mortas por namorados, esposos, "amigos", "admiradores", 6 estupradas por minuto, é a bancada religiosa aprovando dia de lutar contra o aborto. Mas isso não é pauta, não é notícia, não para esses homens: pra eles, notícia é a orientação sexual do Santo Meteorológico. 

Tive que fazer uma postagem sobre isso, que não poderia ser um exemplo mais emblemático de "violência simbólica". Toda violência simbólica, isto é, aquela da ordem da linguagem e de suas estruturas (Saussure mandando um alô pra galera), é aquilo que não só acontece nos/através dos signos, como é aquilo que se inscreve em estruturas consolidadas de poder para enfim ocultar os interesses implicados no texto. A matéria de jornal, como qualquer texto, não é um circuito interpretativo fechado, mas apenas um patch na colcha, na infinita colcha de retalhos da cultura. Assim, a palavra também não é um universo fechado de significações, mas é aquilo que coloca em movimento a teia paradoxal dos sentidos instituídos e daqueles que ainda estão por vir. De tal forma que, não é ultra-interpretativo supor que o excerto de jornal supracitado seja homofóbico: ele é, pois se inscreve num mundo no qual o arco-íris é um símbolo de uma luta, e "indecisão" é a maneira cotidiana como a nossa subjetividade é relegada à invisibilidade, á patologia, e à morte por assassinato em becos escuros e ruas desertas.



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