Eu gosto
das metáforas. Elas sempre me pareceram um jeito estranho e
levemente dolorido de entender as coisas. Elas sempre representaram
aquele momento cotidiano em que as palavras não são suficientes, em
que as palavras só servem pra atrapalhar toda a comunicação.
Nessas horas, meu corpo quer jogar os dicionários, que jazem na
estante, pela janela, meu corpo quer dançar pra te fazer ouvir. Meu
corpo quer tremer pra te fazer falar, meu corpo quer gritar sem
emitir um só som.
Nas
últimas semanas muitas coisas aconteceram, foram altos e baixos,
brigas, choros, desesperos. Mas também houveram risadas, bebidas,
sonos e confortos. Mas nada disso exprime tudo o que se passou.
Talvez se eu falasse que aquele momento todo era fino como papel de
seda, que tudo o que pairava no ar era aquele todo preenchido. E eu
ali, olhando o todo desejando ver o nada.
Uma
matilha passou correndo bem diante dos meus olhos, aos uivos e
ganidos. Já não sei mais dizer o quanto havia de raiva, o quanto
havia de decepção, o quanto havia de desejo, o quanto havia de dor.
Eram só cores que piscavam e brilhavam e me diziam tanta coisa,
aquele som me dizia mais que qualquer palavra. Minhas lágrimas
desceram quentes e salgadas, eu ouvia e entendia...
Parei por
um momento e olhei pra trás. Vi o longo corredor polonês que
percorri, nas paredes as marcas de sangue e choro que ficaram pelo
caminho. Algumas janelas mostravam as risadas abafadas que tentaram
sufocar, fechei os olhos e me esforcei para ouvi-las. Lembrei de
noites de lua cheia, das músicas e dos encontros, das bocas e das
mãos, dos gostos e dos cheiros. Abri os olhos e contemplei o longo
corredor a minha frente, meio embaçado pela miopia, mas com a
certeza de sangue e choro derramado.
Respirei
fundo e abri mais uma janela.
Ali
estava escuro, só se ouvia as respirações ofegantes. Olhei mais
uma vez pro corredor que parecia estar apertando as paredes contra
mim, sorri e pulei pro outro lado. Era um quarto? Uma sala? A casa de
alguém? Não saberia dizer, nem me importaria em descobrir. Só era
possível distinguir o emaranhado de corpos que falavam sem emitir
palavras, essa linguagem dxs estranhxs, dxs esquecidxs, dxs
subversivxs, dxs que já não sabem mais falar...
Lá
estavam elxs, uivando e se lambendo no mais sincero sinal de afeto. A
enorme matilha com seus olhos serenos, com seus pelos que vibravam
com o vento, com seus focinhos que pareciam rastrear o nada de longe.
Caí no chão. Caí porque meu corpo já não se sustentaria, caí
porque já não haviam motivos pra permanecer bípede, caí porque
toda essa estrutura corporal serve a língua que eu desejo
desaprender, caí porque agora meu corpo só seria capaz de uivar e
lamber... em sincero sinal de afeto.
Fiquei
ali, sentindo os pelos crescerem, o focinho se alongar, os olhos
entrarem em foco, os membros se modificarem. Quando fui capaz de
abrir os olhos novamente, só havia a lua a minha frente, e a matilha
que se aproximava. Eu vi um sorriso naquele uivo. Já não haviam
mais paredes, nem janela, nem sangue, nem choro... Haviam cheiros de
pensamentos azuis, que se misturavam com os sons avermelhados dos
olharem, havia o brilho opaco dos recheios alaranjados que cobriam
todo o nada adormecido.
Começamos
a correr, talvez fugindo de algo, talvez em busca de algo... talvez
os dois...
Era uma
corrida solitária apesar de acompanhada. Será que todxs aquelxs
seres ouviam aquela música? Era o som dos uivos, da floresta, dos
corações, das lambidas, das respirações... Havia uma harmonia
desarmônica que não buscava por um compasso exato. E eu queria
dizer, queria me fazer compreender... Todo aquele castelo de
cartas, construído com tanto afinco e paciência, voaria ao som da
primeira palavra proferida. E nós ficamos ali, nos encarando, toda a
matilha... E voltamos a cheirar, uivar, lamber... no mais sincero
sinal de afeto...
Nenhum comentário:
Postar um comentário