A eternidade é uma mentira. Sei há muito tempo,mas nunca quis falar a respeito por achar uma idéia um tanto quanto óbvia, dessas que, de tão óbvias, as pessoas ficam chateadas de ouvir. Eu francamente não me aventuro mais a sair concluindo máximas acerca de outros seres humanos, de forma que, se eu tiver alguma sorte, posso encontrar com este texto alguém que não saiba a respeito desta mentira, ou que não concorde, que talvez se sinta levemente ofendido ou contrariado pelos meus argumentos mas, que ainda assim, ache estimulante os ler.
A eternidade não existe; ela é constantemente reinventada, frágil como um formigueiro; entre algumas espécies deste inseto, as operárias são efêmeras e, durante sua curta existência, não dormem. As pobres anônimas trabalham toda sua pequena vida construindo um formigueiro do qual não gozam, e existem até espécies que morrem sem jamais ter comido ou bebido água. Tal se dá com a história: ela está sempre sendo re-contada, re-redigida, e até mesmo (senão principalmente) reinventada. Conta-se Napoleão, inventa-se Luís XIV todos os dias em milhões de escolas espalhadas pelo mundo; em museus e biblioteca, em castelos e antigos porões, parece que tais grandessíssimas personalidades nunca morrem, sempre legando a nós um novo alfinete de fralda, pente ou objeto de nenhum valor que, ainda assim, conta sua história. Quem não teve a chance de, como esses dois, ser escolhido como um dos Grandes, sobre os quais nossa historinha se debruça, pode ficar milhares de anos sob a terra como aqueles soldados de Terracota, e ser descobertos por total acaso, como se nada valessem – e talvez realmente não valham; e àqueles que não foram feitos de terracota, cujas roupas eram pobres farrapos de algodão, que empunharam enxadas e chaves de fenda, que morreram e legaram aos filhos somente um par de sapatos velhos... a esses resta apenas o esquecimento.
E, todavia, sempre tem alguém falando da porra da eternidade. Sempre tem alguém afirmando que a Verdade – musa dos filósofos – esconde-se no horizonte diáfano dessa entidade incorpórea. A eternidade é a promessa da imortalidade simbólica; é, segundo dizem, a superação das limitações deste corpo de carne low-tech, que nos dão quando nascemos. O poeta, eterno, consegue ser lido depois de tornar-se pó; a peça ressuscita o amor de Julieta; vivemos a lamber os pés de tudo quanto é eterno sem nos darmos conta de que, ao fazê-lo, estamos diariamente erguendo e edificando a suposta Eternidade.
E ela entra sorrateira pelas frestas e buracos de nossos sonhos mais íntimos, dizendo-nos que, tudo quanto perece, vale pouca coisa. Criamos amores, filhos, livros, árvores, lixo, sulcamos o planeta e tiramos dele seus brilhos, suas jóias, enfeitando nossa efemeridade com qualquer coisa que nos remeta ao inefável, ao eterno. Não conseguimos evitar a tristeza perante a falha que nos separa do sem-fim: choramos por namoros que acabam, mesmo que não seja um choro de saudade ou de perda, ou mesmo de dor: muitas vezes, é simplesmente aquele incômodo de não termos sequer roçado nossas finitas mãozinhas na eternidade. Somos escravos dessa temporalidade impossível. Eu sou. Eu era.
Sempre que penso em eternidade lembro do meu tapete laranja, estendido atrás de mim, aos pés da TV. Tal como a casa cogumelo foi a sede de minhas fantasias e brincadeiras infantis, o tapete foi a testemunha dos meus amantes; por ele roçaram muitos corpos, muitos pés, choveram neles sorrisos que se bio-degradaram em sua fibra sintética.
Numa noite dessas, num amante desses, minha mãe chegou dizendo que tinha um presente. Era um vestido roxo de cetim, roxo feito a noite, e que ocasionalmente brilhava como se tivesse mesmo sua poeira estelar. Eu vesti aquilo que me mal cobria e fui de novo para a sala me achando um pedaço do céu, da lua, da terra, me achando grandiosa em todo o meu corpo finito; enquanto isso, do aparelho de som jorrava uma música que eu cantava com ele – seu nome era Saulo – enquanto a gente valsava pelo tapete, sem saber valsar. E ríamos de não saber, nos perguntando quem mais nesse mundo tão vasto estaria afinal ouvindo Elton John, tomando cerveja, valsando e rindo num tapete laranja. Era como se já não tivesse sala em torno de nós, como se estivéssemos no não lugar onde, todas as noites, os sonhos acontecem para depois ser esquecidos. E tal como um sonho, aquele momento chegou, aconteceu, Saulo foi embora em seu fusca laranja, e eu fui para os cantos virtuais dos meus diários, consumando uma separação, esta sim, e por enquanto, eterna.
Mesmo assim, aquela música ficou tatuada com nossos contornos e nossos beijos. Com a sinceridade que tivemos em não tentar resgatar um momento morto, em não tentar viver um passado perfeito. Vivemos aquele intervalo pequeno e raro em que nossa união fez sentido, e fomos embora sem o pesar desconfortável de “um amor que não deu certo”, uma vez que TINHA dado certo, por instantes, por uma única música, no perímetro de um tapete; de onde concluo, desde então, que a efemeridade é mais sincera.
Bem, pelo jeito, serei a primeira pessoa a comentar no blog de vcs. Concordo com o texto, até pq sempre imaginei o tempo- se é que existe- relativo. O problema não é a efemeridade do tempo, mas a permanencia dos sonhos. E as vezes, a felicidade de alguns momentos parece-me tão efemera que não permite o sonho com algo além, com o vir-a-ser. O tempo muitas vezes passa e nem percebemos. E muitas vezes acontece quando não o desejamos.
ResponderExcluirVi um peça de teatro que discursava sobre isso, e se dizia que o tempo anda mais devagar quando estamos felizes Mas o tempo não pode ser paralizado por nossa vontade? Para os stecas o tempos era ciclico, quando se imaginava o seu fim, voltava-se ao inicio.
Acho que o efemero dura o tempo de um sonho, ou um desejo.