Quando saí de casa para ir ao cinema não carregava comigo nenhuma expectativa. Eu não havia visto o trailer daquele filme, nem lido nada a respeito. Não sabia qual era a temática, apenas tinha ouvido dois amigos dizerem q era um bom filme, nada além disso.
O Cisne Negro se provou ser muito mais do que uma simples inovação hollywoodiana. O filme inteiro foi uma das melhores metáforas que eu já vi sobre as questões femininas. O filme não é a história de uma bailarina buscando o papel principal no Lago dos Cisnes, como pode parecer aos mais desavisados. Essa película mostra uma menina buscando desesperadamente se despir de seus atributos feminilizantes.
Nenhuma personagem realmente existe ali. Isso pode ser complicado de perceber a primeira vista, mas se você assistir com um pouquinho mais de atenção verá que não há aprofundamento psicológico nem histórico das personagens, o que, geralmente, é crucial para defini-las. Não se sabe nada sobre a infância da “personagem principal”, onde está seu pai, seus relacionamentos com amigos, ex namorados, nada sobre seus conflitos ou história de vida; também não fica claro qual é sua relação com a mãe e nem a história desta, ela é uma bailarina frustrada, artista plástica? Se não se tem absolutamente nenhum backgroud sobre a suposta personagem central que dirá dos secundários. E isso se dá porque essas personagens simplesmente não existem. Elas são arquétipos emprestados.
Nina é a sweet girl, como é perfeitamente descrita no próprio filme. Criada, educada, adestrada, treinada para ser a menina perfeita, doce, delicada, frágil... O cisne branco! E a metáfora do balet não poderia encaixar melhor nisso tudo. O que haveria de mais óbvio para descrever o arquétipo feminino do que a linda, leve, branca e pura bailarina? Perfeito!
Mas ela sente que quer mais, ela se dedica, ela se esforça. O filme começa com ela enfrentando a si mesma, logo na cena inicial. O sonho a mostra sendo conduzida a uma transformação pelas mãos do que aparenta ser um monstro. Essa única cena, a primeira e mais simples, é capaz de resumir todo o resto. Ela dança graciosamente, e a câmera foca na ponta dos seus pés, os movimentos leves e belos, o tutu romântico, o sorriso angelical e a postura impecável. Então ele surge, personificado na figura do feiticeiro do balet, mas que no sonho da menina logo ganha a forma de uma besta, com olhos vermelhos, que a conduz numa dança enfeitiçadora e a transforma em algo mais ousado, agora no tutu bandeja, com adereços no cabelo e uma nova expressão no rosto.
Como disse, metáforas. A “besta” ganha muitas formas ao longo do filme, está centrada no coreógrafo que exige que ela se jogue com o coração, mas é vislumbrada na nova bailarina que a leva para uma noite na esbórnia e a faz vivenciar novas e libertadoras sensações. Mas nenhuma dessas personagens realmente existe, mantenha sempre isso em mente. Na cena da esbórnia ela se permite abrir, sentir o momento. Ela se deixa levar por alguns rapazes, mas a noite termina com a amiga, que se transforma nela mesma, diante dos seus olhos, com as asas abertas, pronta para voar.
Sim! É isso mesmo! Essa luta é muito pessoal. Ninguém jamais será capaz de ensinar uma “fêmea” como se libertar de seus atributos feminilizantes. E isso não é possível simplesmente porque não é possível definir “mulher”. Cada uma tem uma história única, cada uma vivencia a sua opressão de forma única, e cada uma tem q encontrar seu próprio caminho de saída.
E ela goza ao ver as asas abertas! É realmente orgasmático encontrar a estrada que começa a nos conduzir para fora dessa prisão cor-de-rosa e adornada com bichinhos de pelúcia. É preciso atenção para enxergar que os adereços fofos e bonitinhos são, na verdade, algemas disfarçadas. Mas ela enxerga! E após o gozo sufoca a sweet girl. Ou começa a entender o verdadeiro caminho de libertação.
Por um momento ela se confunde, ainda atordoada com tanta informação, e pensa que a amiga é sua rival. Mas não existe amiga, não existe balet, não existe coreógrafo, nem existe mãe. Só existe a opressão e a luta desesperada para se ver livres das correntes. Mas ela ainda está começando a se dar conta disso.
Num surto de lucidez, limpa seu quarto e joga seus bichinhos de pelúcia na lixeira. Volta a dançar ainda levemente confusa, mas já tendo dado mais um importante passo em busca da liberdade. Mas o sistema pesa, ele é forte e difícil de vencer. E ela resolve ir em busca da solista que ela mesma substituiu, admirar a perfeição de perto. Mas ela ainda precisava entender que os heróis da nossa infância estão longe de ser perfeitos, eles são nossas primeiras algemas, apresentados a nós de forma sublime e encantadora. Não Nina, a bailarina linda que você tanto admirou não é perfeita, e agora ela se rasga e se despedaça bem em frente aos seus olhos. Uma cena grotesca, que incomoda de ver, dói, nos faz recontorcer na cadeira, mas é viceralmente verdadeira. Ela tenta correr, mas esse é um caminho sem volta, o sangue já estava em suas mãos, mas ela ainda não compreendia por que.
Ela sente a transformação, sente no corpo, na pele. Os olhos agora estão vermelhos, sedentos por sei lá o que. Ela grita com a mãe, a machuca fisicamente, o sangue está nos olhos, é um caminho sem volta. Você vê agora? Entende?
E o espetáculo começa a medida que a metamorfose avança. Ela já não consegue incorporar o cisne branco tão bem quanto antes, onde está a pureza angelical? Onde está a leveza e delicadeza? E somente no intervalo para o ato final que ela finalmente compreende o que está acontecendo, de onde vem o sangue.
Não existem personagens, não existe amiga, coreógrafo, mãe, platéia, nem ela mesma é real. Como eu disse, o filme inteiro É uma grande metáfora. E nesse momento ela fica clara e translúcida.
Para LIBERTAR o cisne negro é preciso MATAR a sweet girl!
Não há outra opção. Não existe caminho do meio. O radicalismo é a única forma de encontrar a liberdade.
Vídeo da Semana:
http://www.youtube.com/watch?v=1Wav5KjBHbI&feature=player_embedded
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