quarta-feira, 10 de agosto de 2011

No seu cu... que tal?

Tenho um amigo que diz que só dá o cu porque não tem buceta. Tenho que concordar com ele que, apesar de ter prazer com o sexo anal (o que inclui, contrariando a ciência burguesa e cristã, orgasmos!) minha vida em torno da minha rosquinha sempre foi a velha questão do cão e do gato: como a maioria esmagadora das pessoas agraciadas com uma rola dourada ao nascer tem PAVOR de camisinha (como se o pau respirasse e fosse morrer sufocado com a dita cuja), e eu sou seriamente contra a domesticação da pílula anticoncepcional sobre o útero, eu vivia a vida adoidada na contagem da tabelinha, garantindo o sexo no período fértil com meu maravilhoso cuzinho. Pois é, não estou orgulhos@.

Reserve o parágrafo acima.

Está muito na moda essa galera heterossexual de esquerda, esses aí com seus balangandãs pendurados no meio das pernas, dizer que são feministas. Houve minha época de acreditar na balela, mas com um pouquinho de estudo, análise dos discursos dos meninos, e um tantinho de nada de bom senso, a gente vê que é simplesmente mentirinha. Veja bem, ser feminista NÃO É TORCER PELO TIME DAS MENINAS; ser feminista NÃO É TER UMA RELIGIÃO; ser feminista NÃO É CONCORDAR, por mais integralmente que seja, com uma certa visão de mundo. Isto porque, do humilde (ou não...) ponto de vista de quem vos fala, ser feminista é ser apt@ a produzir um discurso do lugar de fala de uma opressão MUITO ESPECÍFICA. Sendo mais grosseira: o monte Everest é alto, mas por mais alto que seja, não dá pra ver as pirâmides lá de cima, não é? Entonces, personas, o mesmo se dá com meus amigos machos de plantão: obrigada pelo apoio, acredito DE CORAÇÃO no seu engajamento contra o machismo que é um constituinte de suas próprias personalidades, mas por mais emoção e atitude que vocês imprimam nessa jornada, tem coisas que você só entende quando tem um útero. Nossa visão de mundo está atrelada ao nosso lugar de fala: nossa classe, nossa nacionalidade, nossa etnia E NOSSO GÊNERO. E o feminismo é uma visão de mundo.

Só que tem gente que não entende!!! Tem MESMO aqueles homens que acreditam que sabem sim, muito bem, como é que a mulher se sente, aliás, aquele time célebre que adora dizer por aí que o Chico Buarque entende a alma feminina - afirmação risível que eu não perderei meu tempo a explicar. Também não me orgulho nada de dizer que já esfreguei minha buceta e até já me apaixonei - vejam bem - por gente assim, numa época em que eu não entendia com a exatidão que entendo hoje, que se aprofunda a cada dia, que o machismo é algo muito além de simplesmente achar que lugar de mulher é na cozinha. E essa pessoa, que não cabe identificar, odiava camisinhas e adorava comer meu cu: era o matrimônio perfeito entre o útil e o agradável. E como ele (muito macho!!!) acreditava em poliamor, acreditava que eu era um ser humano com sexualidade própria, que eu era capaz de ter orgasmos (coisa da qual não posso reclamar era aquele maravilhoso sexo oral), que eu era capaz de ter raciocínios complexos e subjetividade relevante, e como meus estudos de gênero estavam apenas por começar, era fácil cair na lenga-lenga de que ele era feminista.

Repito a toda pessoa: IT'S A TRAP!

Pois bem... certo dia estava eu a me deliciar com aquela língua maravilhosa entre as pernas - orgasmo pouco é bobagem - quando de repente, não mais que de repente, o macho em questão decide tentar uma brincadeira nova: o beijo grego, ou "língua no cu". No início estava interessante... até que começou a vir uma IRREFREÁVEL vontade de peidar. Digo de novo: IRREFREÁVEL. Na verdade, comecei a ter aqueles peristaltismos selvagens que anunciam uma caganeira iminente. Era uma sensação horrível! Dei uma reboladinha e coloquei minha buceta do lugar para ele lamber, mas ele voltava com a língua para a minha rosca. Que inferno! Dei todas as indicações sutis de que não estava gostando, e quando a situação cruzou a linha do insuportável, falei com todas as letras que não queria mais: que por mais que fosse gostoso a língua na buceta (na verdade, pra mim, ainda é o momento clímax do sexo, indiscutivelmente) no cu não funcionava, ainda que fossem os mesmos movimentos linguais. Depois de minha breve e sincera explanação, o mancebo me responde com a pérola:

"No cu, na buceta... não é tudo a mesma coisa?"

Para mim, a falácia do feminismo do mancebo caiu por terra ali mesmo. Claro que ele me chupou um pouco mais, e eu gozei um pouco mais também, mas passei boa parte do meu relacionamento com la persona pensando comigo mesma como explicar para ele quão machista era aquele comportamento. Quão machista é você, homem, que não tem vagina nem útero nem clitóris, alegar que tem mais conhecimento sobre um corpo que você não tem. Aliás, essa confusão toda de "homem feminista" surge porque nossa maneira de produzir saber ainda separa, majoritariamente, corpo de mente: como se a gente não pensasse com o cérebro, e o cérebro não fosse parte do corpo, nós ainda temos uma visão muito espiritualista de que a nossa mente é uma coisa que habita nossa cabeça, e não que o nosso corpo é parte integrante, fundamental e inseparável de nossa subjetividade. Se eu não tivesse vagina, se eu nunca tivesse sido obrigada a me infectar em bares sujos na cidade porque os donos acham que "lugar de mulher não é no bar"; se eu não tivesse decidido ser um ás do video game e os meninos derrotados nunca tivessem dito que "video game não é para meninas" eu simplesmente não seria quem eu sou. E da mesma forma, todos aqueles que possuem bilaus e jamais passaram por isso experimentam a realidade de uma forma muito, muito diferente, e não estão autorizados, não possuem QUALQUER embasamento, para falar de como eu sinto as coisas, para falar se quero língua no meu cu ou não.

Verdade seja dita, eu nunca consegui elaborar uma conversa para contar ao menino aquelas coisas: cansei de ser expulsa do meu próprio lugar de fala (LOL pra ele!) e terminei. Mas antes de terminar, comecei a ler o alguma coisa d@ Beatriz Preciado, falando da implosão da genitália. Não cabe aqui resumei a obra prima da pessoa em questão; porém, ela levantou uma lebre muito boa. Todo mundo tem cu, ela dizia. Por que não promover uma interação mais horizontal entre nossos corpos a partir desse ponto em comum, que todos nós temos? Precariamente - precipitadamente - concluí que meu companheiro, feminista, estava na vibe da horizontalidade para além de posição preferencial na cama. Apostei que ele estava realmente buscando um sexo igualitário, satisfatório para tod@s @s envolvid@s, e um belo dia tentei fazer um cunilingus nele. Nada agressivo, não estuprei o cara: fiz uma massagem nas costas, carinho, beijos, fui descendo, descendo, até chegar lá. Aliás, "chegar" é um exagero: na borda da cueca, o cara pergunta: "o que você acha que está fazendo?". E eu respondi, muito de boa, muito calma...

"Estou fazendo NO SEU CU... que tal?"




8 comentários:

  1. Eu sou homem, heterossexual, tenho uma "queda" pelo "movimento" libertário e, por isso, defendi por um tempo o feminismo. Há cerca de 3 anos (tenho 28 anos) percebi que eu ainda mantinha comportamentos machistas (como os apresentado no seu texto).

    Hoje, acho mais sensato defender a "igualdade" entre os sexos (e gêneros, por que não?), ao invés do feminismo - que, na teoria, acaba sendo uma "sobreposição" ao machismo, ou seja, tão ruim, quanto.

    Enfim, ótimo texto, excelente análise, ótimo para reflexão. Por fim, peço duas coisas:

    1) Outro texto explicando o "entendimento" do Chico Buarque sobre a alma feminina - não, eu não suporto as músicas dele, nem muito menos os fãs chatos (pleonasmo?);

    2) Sua autorização para publicar esse texto no site www.cartapotiguar.com.br.

    Obrigado.

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  2. Paulo Emílio... eu sou feminista (ou pós feminista, estou pra descobrir...) e feminismo NÃO É NADA DO QUE VOCÊ DISSE NA SUA MENSAGEM.

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  3. "Pós-feminista"? Interessante. Vou pesquisar pra gente debater. =)

    E aí, você autoriza a publicação do seu texto?

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  4. Porque os homens têm tanta implicância com o feminismo? Sempre emplacam essa de "... é um machismo ao contrário, ou é a mesma coisa".

    Texto muito bom!

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  5. O problema do feminismo estaria na questão importantíssima levantada por varios autores, entre eles a socióloga Berenice Bento: "qual afinal é o sujeito político do feminismo?"
    Se é o personagem social "mulher", na minha opinião, o feminismo continua sendo sexista.

    E por "sexismo" ,entendo a divisão binaria de papéis de acordo com genitalias e supostas "identidades de gênero" naturais e biolõgicas. Não é possivel se revindicar o feminismo sem acatar convenções que imponham que há um ser (a mulher) que é históricamente oprimida por outro (o homem) e neste processo se reproduzir uma forma de opressão que começa ainda antes de nascermos.

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  6. E ao Diogo:

    Bão são os homens que têm "implicância" com o feminismo. Pelo que entendi do texto, a autora parece perceber algo que venho notando a muito tempo: se o sujeito do feminsimo é a "mulher-vagina", são os homens que não têm o referencial subjetivo ou objetivo para compreende-lo.

    Eu como "mulher-trans-pós-identitária", por não ter vivido varias das experiencias "femininas" na inha vida (não saber o que é menstruar, não ter acesso a uma vagina, não ter tido uma educação de "menina" quando criança) não poderia nunca me revindicar como "feminista". Desconheço a profundidade da experiencia feminina.

    Pelo mesmo motivo não posso concordar com uma luta contra o "machismo" sem antes me aprofundar na luta e na opressão do homem. Em suma, não concordo com ideais maniqueístas do tipo "burguesia X proletariado", "feminismo X machismo", "bem X mal", pq isso na pratica desumaniza e nao apresenta soluções,apenas busca apontar supostos "culpados".

    O grande mérito deste texto, foi perceber que imaginar que a esquerda "libertária", é capaz de compreender o sofrimento das mulheres simplesmente por ser "libertária" e sem compreender que a idéia de "libertarianismo" numa sociedade neo-liberal não é a mesma de 30 anos atrás. "ITS A TRAP!" A esquerda tem menos capacidade de compreenção exatamente pq acredita que as opressões são fruto de questões objetivas, quando pelo contrário, o problema está na subjetividade, "IT'S A TRAP TOO!!!"

    Bom, pelo menos esta é minha opinião.

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  7. E antes que me entendam mal: não confundir feminismo com femismo, este sim, é um machismo as avessas

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  8. Adendo importante:
    Estava tão preocupada com questões teóricas que acabei por me esquecer do pricipal- mea culpa, tb me esqueci da subjetividade. Todo apoio a autora do tópico, meu ombro amigo e meu colinho caso precise.

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