quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Você e eu


O despertador tocou cedo, você se espreguiçou do meu lado. Sua visão me reconfortou e, apesar do imenso sono que ainda me acometia, juntei forças para me levantar. Comemos nosso desjejum juntos, e ainda trocamos caricias e olhares. Caminhamos lado a lado, nós dois sabiamos o dia que nos aguardava mas, naquele momento, tinhamos apenas um ao outro e o asfalto sob nossos pés.

Saí pra trabalhar ainda pensando em você. Você ficou em casa, enquanto eu fui ganhar o pão. Lembrei do pão que você mais gosta. Desejei que o dia passasse rápido para voltar pra casa e te rever.

Passei o dia numa mesa telefônica com um computador lento a minha frente. Me irritei levemente quando a voz, do outro lado da linha, disse que eu era paga para repetir coisas como um robô. Me indaguei sobre aqueles que, verdadeiramente, não trabalham como robôs. É que o capitalismo tem esse poder sobre nós, mesmo quando somos competentes e exercemos a função que nos foi designada, nós a repetimos tantas vezes que tudo fica meio robótico mesmo. Não importa o quão letrado ou iletrado você seja, somos todos robozinhos programados.

Eu não sou uma máquina, e não gostei quando aquela voz me comparou a uma. Eu sei de todo o meu potencial intelectual e me senti, com aquela comparação, presa dentro de um cubo de gelo. Mas a verdade é que, naquele momento, eu estava apenas cumprindo a função que foi assinada na minha carteira, e eu era apenas mais um robozinho programado.

Lembrei de você ao desligar o telefone. O que será que você estaria fazendo? Aquela hora do dia minha irmã estava em casa, então sabia que você não estava sozinho. Me preocupei com a sua rotina e, na hora do meu almoço, liguei pra casa.

Depois de encerrar o ponto, ainda tinha que enfrentar aquelas aulas cansativas e lotadas de piadinhas que já me cansavam antes mesmo de ouvi-las. E eu pensei em jogar tudo na primeira lixeira e ir pra casa ficar com você. Enfrentei bravamente, não sem engolir um café amargo que serviu pra manter meus olhos abertos.

Saí dali desejando chegar em casa. E o ônibus que levou alguns minutos para sair, mas que pareceram horas. E você? A essa altura já estaria sozinho em casa. Minha irmã trabalha a noite. Será que você estaria comportado? Será que estaria com fome?

Abri a porta, os olhos correndo a sua procura. E lá estava você, deitado na sua caminha, levantou se espreguiçando, com o rabo balançando e vindo na minha direção. Ajoelhei para te cumprimentar, senti seu pelo macio nos meus dedos. E já fui logo apanhando a coleira, era hora do passeio da noite, para o xixi antes de dormir.

Decidi descer mais uma quadra até o parque. Chegando lá, você era só felicidade! Te libertei da coleira e imediatamente você começou a correr, descrevendo grandes circulos a minha volta. E a medida que eu fui caminhando pelo parque você veio correndo sempre descrevendo raios a minha volta. Ali a diante alguém também passeava com um cachorro, e você brincou com ele.

Eu fiquei ali, durante quase meia hora, sentindo sono e apreciando você e a sua “liberdade”. Porque livre você não é, mas ali você podia sentir aquele gostinho lá no final da língua.

E de repente me dei conta do que você havia feito no meu coração. Nós somos iguais! Dois escravos fabricados, tentando viver da melhor maneira que podemos. Desejamos a liberdade, desejamos viver a vida plenamente. Mas essa vida já não é desse mundo, nem sei se um dia já foi. A vida lá fora só nos machuca.

Você sabia que voltar para casa comigo era sua melhor opção e, na hora de ir embora, me esticou o pescoço resignado. E nós dois voltamos lado a lado, pensando e desejando um mundo em que nós dois pudessemos ser livres. Um mundo em que eu não precisasse ser um robozinho programado e você nunca fosse pra casa comigo.

E nós voltamos e, ao entrar em casa, eu liguei a TV, e você deitou nos meus pés... e suspirou... e eu também...

2 comentários:

  1. A célebre frase do Declaração Universal "todo homem (ou mulher) nasce livre" é a mais deslavada das mentiras. Por outro lado me parece que só nos tornamos verdeiramente livres quando podemos optar por doar parte da nossa liberdade

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  2. oi ju
    Acho que eu nunca vi um texto tão transparente abordando tantas questões ao mesmo tempo!
    bjs
    saudades de vc
    su

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