domingo, 19 de junho de 2011

Das Religiões Modernas

Eu sempre tive dificuldades em entender o que era uma religião.

Claro, eu era uma menina esperta e tinha uma boa memória; então, havia um sem número de coisas no mundo que eu classificava corretamente como religião simplesmente porque alguém me tinha dado essas informações. Igualmente, eu fazia cá e lá minhas ingênuas inferências sobre o assunto, tentando achar por detrás desses inúmeros mantos coloridos o varal que os sustinha. Seria a crença em Deus? Seria a crença em líderes humanos?

Bom, dizer que uma religião é uma religião por haver a presença de Deus não chega a ser uma resposta. Descrever uma religião não explica por que ela é uma religião – é um silogismo como dizer “flores têm pétalas, isto tem pétalas, logo isto é uma flor”. Comecei a querer, com minha cabeça infantil, elaborar algo mais complexo. O que as religiões de fato fazem? Para quê e para quem elas existem?

Religiões explicam, concluí. Religiões respondem. E nesse ponto nevrálgico em comum é que as mais dessemelhantes crenças se mostram apenas uma coleção mais ou menos variada de roupagens: das religiões que me tinham sido apresentadas na infância, todas elas buscavam a Verdade. Esta, por sua vez, era intocável pelo Homem (e mais uma vez, vamos nos lembrar de que nessa brincadeira estamos falando do ser fálico e viril), que tem olhos e orelhas por demais rústicos para depreender do Universo a essência da Vida.

Foi no meio dessa minha reflexão rudimentar (quando criança, obviamente, eu usava palavras um tanto mais precárias, ou talvez não usasse palavra alguma) que Freud apareceu na minha vida.

Estava na moda, embora eu não saiba dizer por que. Mas na minha infância, não raro alguém respondia a uma das minhas perguntas com a seguinte frase: “Freud explica”. E daí saía andando, com ares de dever cumprido, depois de deixar na minha imaginação essa frase tão impressionantemente lacônica. Pois, veja bem, a imaginação infantil não tem nada de ociosa, e onde as lacunas do conhecimento ficam vazias das palavras adultas, as crianças formulam as mais impressionantes hipóteses. Eu diria que cada criança é um pequeno filósofo, com um pequeno sistema filosófico em sua cabeça.

Com a frase enigmática, fiz duas inferências: em primeiro lugar, Freud não era um deus. E não por algum pensamento realmente profundo, mas porque Freud não soava como nome de divindade nos meus ouvidos. Simples assim. A segunda reflexão era que, se Freud era um homem, então ele só poderia ser cientista, os únicos homens que, munidos de seus mirabolantes instrumentos, aproximavam-se da essência do universo, esse cheiro sutil que emana de todas as coisas e contém todas as respostas.

O tempo passou e eu cresci um pouquinho. Um pouquinho só: mas já era o suficiente para ter me tornado roqueira, grunge, e estar levemente apaixonada por um professor de geografia profundamente marxista. Um homem alto e magro, barbudo a vida toda, e a primeira pessoa na minha vida a concordar comigo na minha mais antiga, secreta e profunda crença: há alguma coisa muito errada no mundo. E não só meu professor concordava comigo como sabia que essa coisa tinha um nome, uma forma, chamava-se Capitalismo, chamava-se Exploração, chamava-se Mais Valia, chamava-se Consumismo. A primeira pessoa a falar que meus cabelos enrolados eram lindos, e que todos o poderiam ver se não houvesse algo chamado Racismo. Que eu era inteligente e interessante, e todos seriam capazes de vê-lo se não houvesse algo como Preconceito. Que, aliás, cada criança daquela sala era um ser maravilhoso enterrado num mundo de valores que desconheciam e que não podiam ver. E, por fim, foi a primeira pessoa a me dizer que as coisas poderiam ser de outras formas. “É fácil... basta imaginar”.

E um belo dia ele nos deu uma aula sobre a Igreja. Que era uma aula sobre religiões em geral, mas que atacava as igrejas cristãs como alvos prioritários. Basicamente, meu professor disse que eu estava colocando o carro na frente dos bois. As religiões não criam suas morais baseadas nas verdades que encontram, mas elaboram discursos sobre a realidade baseando-se na moral que pretendem estabelecer. Convidou-nos a um breve passeio pela História, mostrando-nos a indissociabilidade (palavra grande!) que havia entre religião e política. Como os homens que guiavam as almas de inúmeros humanos nesse escuro que é a existência utilizavam-se do desespero e da fé de gente simples para ganhar dinheiro. Simples assim. Dinheiro. E meu professor me ensinou que era muito importante pensarmos, agirmos e falarmos sem eufemismos. Que o eufemismo é a figura de linguagem da opressão: ela está sempre do lado de quem manda. Sempre.

Sem eu entender por que, o Freud que andava adormecido nas minhas reflexões veio à tona. Aquele que eu supunha cientista, aquele que eu continuava a não saber quem era. Eu recapitulava todas as perguntas que conseguia lembrar, cada pergunta embaraçosa e difícil que me fora respondida com o nome desse homem. Ele continuava a não me interessar: a pergunta agora era outra. Por que o senso comum lança mão de suas idéias com tanta freqüência e tanta alegria para responder as perguntas mais socialmente constrangedoras? E eu comecei a entender que as teorias freudianas não estão na boca do povo por acaso, estão na boca do povo por política. Porque, apesar de nos ser sempre apresentada como inovadora e quebradora de paradigmas, ela é politicamente interessante para quem está no poder.

Foi assim que eu aprendi que as ciências também eram religiões...

Vídeo da Semana:
http://www.youtube.com/watch?v=kFSpiweayEM

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