domingo, 21 de agosto de 2011

De um outro lugar...


Bom, gente, hoje o POST vai ser um tanto quanto diferente. Em vez de ficarmos matraqueando para vocês ouvirem, vamos dar lugar, mais uma vez, a um@ amig@ querid@, a Dorothy, que para além de leitora assídua – ao que parece – deste humilde blog, tem opiniões e posicionamentos que nós achamos MUITÍSSIMO RELEVANTES. Ela aqui faz uma crítica pós-moderna e pós-estruturalista ao nosso “No seu cu... que tal?”. O texto pode ser lido nos comentários do nosso post, mas achamos que ela merece mais visibilidade (aliás... uma mulher-trans-pós-identitária sempre merece mais visibilidade!) e cedemos o honrado post de domingo para suas palavras.

Nós, é claro, elaboramos uma réplica, mas invertendo os papéis, nossa resposta pode ser encontrada nos comentários.

"O problema do feminismo estaria na questão importantíssima levantada por varios autores, entre eles a socióloga Berenice Bento: "qual afinal é o sujeito político do feminismo?"
Se é o personagem social "mulher", na minha opinião, o feminismo continua sendo sexista.

E por "sexismo" ,entendo a divisão binaria de papéis de acordo com genitalias e supostas "identidades de gênero" naturais e biolõgicas. Não é possivel se revindicar o feminismo sem acatar convenções que imponham que há um ser (a mulher) que é históricamente oprimida por outro (o homem) e neste processo se reproduzir uma forma de opressão que começa ainda antes de nascermos"
 

"E ao Diogo:

Bão são os homens que têm "implicância" com o feminismo. Pelo que entendi do texto, a autora parece perceber algo que venho notando a muito tempo: se o sujeito do feminsimo é a "mulher-vagina", são os homens que não têm o referencial subjetivo ou objetivo para compreende-lo.

Eu como "mulher-trans-pós-identitária", por não ter vivido varias das experiencias "femininas" na inha vida (não saber o que é menstruar, não ter acesso a uma vagina, não ter tido uma educação de "menina" quando criança) não poderia nunca me revindicar como "feminista". Desconheço a profundidade da experiencia feminina.

Pelo mesmo motivo não posso concordar com uma luta contra o "machismo" sem antes me aprofundar na luta e na opressão do homem. Em suma, não concordo com ideais maniqueístas do tipo "burguesia X proletariado", "feminismo X machismo", "bem X mal", pq isso na pratica desumaniza e nao apresenta soluções,apenas busca apontar supostos "culpados".

O grande mérito deste texto, foi perceber que imaginar que a esquerda "libertária", é capaz de compreender o sofrimento das mulheres simplesmente por ser "libertária" e sem compreender que a idéia de "libertarianismo" numa sociedade neo-liberal não é a mesma de 30 anos atrás. "ITS A TRAP!" A esquerda tem menos capacidade de compreenção exatamente pq acredita que as opressões são fruto de questões objetivas, quando pelo contrário, o problema está na subjetividade, "IT'S A TRAP TOO!!!"

Bom, pelo menos esta é minha opinião."

4 comentários:

  1. A primeira coisa que temos que nos perguntar sobre o texto de Dorothy é “quem está com a razão?”. Mas vamos dificultar essa pergunta: não vamos tomá-la em seu sentido corriqueiro de “quem está certo” e vamos nos relacionar com ela em outro nível agora, no qual nos perguntaremos o que é o termo “razão” e de posse de quem se encontra. Pode parecer uma indagação muito esquizofrênica, mas veremos que ela é profundamente relevante para a questão que estamos tentando elaborar.

    “Razão” é palavra que geralmente pressupõe neutralidade ou totalidade. É um conceito que diz ser possível articular a capacidade humana de produzir conhecimento com uma visão de mundo ampla e abrangente tão autossuficiente e eficaz que seja capaz de abraçar toda a humanidade, reduzindo toda a espécie a um denominador comum essencial: que se despidos de etnicidade, nacionalidade, gênero, que se conseguirmos esquecer do lugar onde moramos agora, da menstruação que está sujando a minha calcinha, da vontade de cagar que tenho agora, que se atingirmos uma espécie de Nirvana, um “lugar de fala Zero”, todos seríamos capazes que enxergar o mundo de uma mesma forma, esta irredutível.

    A ciência surgida nos séculos XVIII e XIX pode ter, certamente, mudado de opinião muitas vezes; porém, todas decorrem do mesmo discurso racionalista que afirma a possibilidade de chegarmos nesse “lugar de fala Zero”. Logo, quando a ciência, ou melhor dizendo, os discursos científicos, discorrem sobre o mundo, selecionam aqueles que são mais ou menos racionais, mais ou menos apropriados para a totalidade da espécie humana.

    Porém, o corpo amorfo e difuso das ciências, ou daquilo que grosseiramente tratarei aqui como A Ciência – sabendo que estou, a partir dessa grosseria, criando um perigoso mutante – obedece a interesses específicos: recebe dinheiro para certas pesquisas e não para outras; recebe dinheiro de algumas pessoas e não de outras; e aqui tenho que brigar com @s pós-modern@s a um ponto que talvez me expulse do clubinho do pós-chá: quem financia é quem tem os meios de produção. Aliás, laboratórios são apenas lugares físicos cheios de utensílios onde os cientistas vão para TRABALHAR. E quando voltam para casa, deixam atrás de si pipetas e microscópios, como aqueles operários que, ao sair da fábrica, deixam suas chaves de fenda e até seus macacões.

    E mesmo que a ciência fosse como naquele desenho, O Laboratório de Dexter, mesmo que não estivesse comprometida com os interesses do grande capital, sabemos que nossas visões de mundo estão balizadas, e até, diria eu, limitadas, pelas nossas experiências objetivas SIM: ter as orelhas furadas logo depois de sair do útero, apenas por ter nascido com uma vagina entre as pernas, é pra lá de objetivo. Mas levar uma bronca da mãe por ser uma menina levada e ter perdido os brinquinhos correndo no meio do mato: é subjetivo ou objetivo? Ou ambos? Ou teremos de concordar aqui, como pós-modern@s que somos, que a separação de objetividade e subjetividade é apenas formal?

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  2. E mesmo que a ciência fosse como naquele desenho, O Laboratório de Dexter, mesmo que não estivesse comprometida com os interesses do grande capital, sabemos que nossas visões de mundo estão balizadas, e até, diria eu, limitadas, pelas nossas experiências objetivas SIM: ter as orelhas furadas logo depois de sair do útero, apenas por ter nascido com uma vagina entre as pernas, é pra lá de objetivo. Mas levar uma bronca da mãe por ser uma menina levada e ter perdido os brinquinhos correndo no meio do mato: é subjetivo ou objetivo? Ou ambos? Ou teremos de concordar aqui, como pós-modern@s que somos, que a separação de objetividade e subjetividade é apenas formal?

    Então, voltemos à pergunta da Razão. Essa separação formal que acabei de falar é o pressuposto no qual se apóia toda a idéia de ser possível retornar àquele “lugar de fala Zero”. Esse conceito, porém, se constrói de uma maneira injusta e vil, na qual UMA CERTA SUBJETIVIDADE foi eleita a objetividade; UM CERTO LUGAR DE FALA foi eleito como o não-lugar de fala. E não podemos aqui esquecer, NEM POR UM MINUTO, que nossas experiências de mundo não são puramente subjetivas nem puramente objetivas, na medida em que, se é verdade que experimentamos o mundo objetivamente a partir de nosso corpo, é subjetivamente que agregamos valor a essas experiências. Logo, UM CERTO CORPO foi eleito como o não-corpo. E esse corpo é, sim, o corpo que tem pênis e pele branca. Mas ele também é um corpo que comporta uma subjetividade: ele é europeu/estadunidense e é heterossexual.

    Nesse sentido, existe um Homem, que não é uma condição do ser humano, mas uma construção social, cultural, política e também econômica. Assim como, nesse sentido, existe também uma mulher, construída nas mesmas condições. Porém, em nenhum lugar de nosso texto ficou dito que somente esse binômio existe; nem faz parte de nossa visão de mundo dizer que as outras identidades “decorrem” desse binômio ou que se constroem a partir dele. O feminismo, em nossa opinião, não é “aquilo que se opõe ao machismo” mas “um discurso que procura se opor ao machismo” e que, como você mesma apontou, talvez não seja o melhor, o que me levou pessoalmente a escrever que talvez eu seja pós-feminista. Porque o que me passou pela cabeça quando perdi meus brinquinhos no mato foi que talvez eu não fosse menina, e do ponto de vista subjetivo, não me sinto mulher; mas objetivamente, em função do meu corpo, eu sou empurrada para esse gueto e tratada como tal.

    Assim como você, como mulher-trans-pós-identitária, não sabe o que é ser estuprada apenas por estar vestindo seu uniforme de escola, eu não tenho idéia do que seja apanhar de um grupo de homens (que se reivindicam enquanto tal) apenas por ser trans. Mas eu não sou assim tão tol@: eu entendo que, apesar de nossos lugares de fala não serem o mesmo (aliás, nunca são), estamos unid@s por sofrermos uma opressão que vem do mesmo problema, no caso o FALOCENTRISMO. Porém, este aqui é outro ponto em que o pós-moderno recua e me deixa put@: a gente estuda, esquadrinha, entende o nosso inimigo, e na hora de lhe dar um rosto, recuamos! O cara que te dá porrada é o mesmo que me estupra: eu quero SIM, e MUITO, encontrar culpados, mas não apenas para afagar meus queixumes: quero mudar a maneira como ele pensa. Quero evitar que novos estupradores-espancadores surjam. Minha militância e minha carreira acadêmica coincidem, mas eu não me limito, nem quero me limitar, ao mundo das boas notas, ao mundo dos PHDs.

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  3. “Feminismo” é uma palavra em franca disputa. E francamente, Dorothy, eu não sei se ela nos contempla! Nós, do blog, não acreditamos que as palavras tenham don@s; nós, deste blog, identificamos que existe uma significação dessa palavra que serve aos nossos propósitos, bem como existem usos dessa mesma palavra que não ajudam EM NADA a nossa luta.

    Repito: feminismo não é religião, não é torcer pelo time das meninas NEM É UMA BELA BIBLIOGRAFIA. Nesse sentido, abrir o "feminismo" para qualquer um resulta em distorções como a que tive de presenciar: um menino, heterossexual, de classe média alta, fazendo um mestrado para demonstrar quão libertador é o funk para as bio-mulheres (essas que tem corpo uterino, etc etc). Uma pessoa que nunca experimentou andar "de sainha/ sem calcinha" sozinha na boate pra saber o que é ser assediado com um pau que você nem sabe a quem pertence! Mas lá no final das contas, na hora de escrever a história, o que vai contar é o tal do mestrado, o diploma, o canudo, e não as meninas que são diariamente estupradas nas favelas.

    Por último: na opinião deste blog, em condições ideais, a presença por si só de um útero e a experiência de mundo através de um corpo uterino não seriam capazes de criar gênero; não é apenas a presença do útero que, organicamente, transforma um certo corpo humano em mulher. Afinal, se é verdade que experimento o mundo com meu útero, também é verdade que o experimento com meu cérebro, com meus olhos, com meu fígado, com meus pés. Por que seria o útero preponderante sobre o resto?

    Todavia, Dorothy, não vivemos em condições ideais, mas CONDIÇÕES OBJETIVAS, que são materiais e simbólicas; a experiência social de ter útero numa sociedade em que tudo, desde a arquitetura até o comercial de cerveja, tudo, contribui material e simbolicamente para a violência contra o corpo uterino, é inegável que esse corpo experimenta a realidade de maneira muito particular. Ser mulher é isso: UM resultado do conjunto de violências simbólicas e objetivas sofridas pelo corpo uterino que procuram produzir neste corpo uma subjetividade que serve a uma outra: a do Homem.

    Sendo assim, o feminismo se fechar em torno da bio-mulher não é sexismo, mas reconhecer que as condições da mulher requerem uma luta própria que deve ser gerida PELA BIO-MULHER, porque é ela quem sabe o que sofre, como sofre e de que maneira quererá acabar com esse sofrimento.

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  4. OLá,

    Bem gostei bastante da resposta. Como havia comentado em pvt a posteriori, minha fala tinha sido demais sucinta para expressar meu ponto de vista. Vou arrematar com alguns comentarios:

    Ao se colocar (meio paradoxalmente ao meu ver, mas talvez apenas no nivel das palavras e conceitos) entre o feminismo e o pós-feimismo, me parece que se tenta equilibrar como numa corda-bamba num espaço de covergência entre dois modelos explicativos bastante distintos embora parecidos. Assim, em alguns momentos vamos concordar e discordar. Eu, por exemplo, discordo da ideia de "luta contra o machismo", por entender que se esconde muita coisa por tras deste conceito, o que acaba por engessar o debate. O machismo não seria a causa, mas uma consequencia de um problema maior, a dicotomia entre os sexos e generos no terreno da cultura. Porém isto não me impede de me juntar a uma Slut Walk ou participar de campanhas e militar contra a opressão das mulheres.

    A pergunta “quem está com a razão?” ao meu ver não faz muito sentido. Ambas estamos igualmente certas, apenas observamos a questão de pontos de vistas e lugares de fala diferentes. Nossa discordãncia parece muito mais no sentido estratégico do que conceitual. Você acha que devemos lutar pontualmente contra a opressão da mulher e eu que devemos descontruir "a mulher" para assim rever o espaço histórico desses individuos. Na pratica o fim é o mesmo, apenas os meios se divergem.

    E concordo que não vivemos em condições ideais, mas cumpre a nós modifica-las.

    Abraços. Vou participar mais desse espaço com minhas polêmicas.

    Sucesso

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