quarta-feira, 23 de março de 2011

Pequenas Crianças Grandes Negócios

(Milena Paiva)

Prato do Mickey, escova-de-dentes da Barbie, mochila dos Power Rangers, caderno do Pooh, botas da Xuxa, bolo do sítio do pica-pau amarelo, suco do dragonbol Z. Tudo muito colorido cheio de emoção e aventura. A indústria dos produtos infantis capricha dando a qualquer objeto um novo sentido ao inovar suas cores, formas, ou simplesmente estampando a imagem de um personagem de desenho em sua embalagem.  Mas cabe perguntar, o que realmente caracteriza um produto infantil? Função? Cor? Forma? As necessidades de um corpo infantil? A infância constitui um novo e crescente mercado para o capitalismo que, incansável em expandir seu público consumidor, não perde tempo, nem dinheiro, ao investir em publicidade que dê conta de, mais do que vender seu produto, formar um gosto, um consumidor fiel.

A produção industrial, de ritmo cada vez mais acelerado, imprime às relações no contemporâneo a marca da fugacidade. A lógica da superação que torna um produto obsoleto no momento em que é adquirido pelo consumidor e concebe termos como “tempo de vida útil”, baseia-se na descartabilidade, na busca frenética pelo novo e abundância do supérfluo. Para garantir a sobrevivência do sistema, no entanto, é necessário que tudo o que é produzido seja consumido, e é para sincronizar a velocidade da produção a do consumo, que o sistema põe em cena a mídia. Apoiado na revolução dos meios de comunicação o capital funda uma cultura do consumo, na qual o trabalhador, em função das mecanizações e da informática, já não é fundamental, mas o consumidor sim. O consumo não constitui um derivado da produção, de fato fundamenta-a.

A sociedade de consumo visa atender os desejos dos consumidores e não somente suas necessidades. Isto implica, nas palavras de Solange Jobim e Souza (2005), a educação de novos públicos consumidores que se habituassem à velocidade com que as relações se criam e se desfazem, pois uma vez reduzido o tempo das experiências e a qualidade das relações materiais e interpessoais, mudam os modos com que as subjetividades se constroem.
 
Ao nascer, uma criança já está situada em uma região, língua, cultura, época e na reorganização provocada por sua chegada na família que a espera, estes fatores constituem o lugar social a partir do qual o pequeno construirá sua identidade, suas formas de ver e sentir o mundo, construindo sua subjetividade em relação ao mundo que o cerca. No entanto, além da família, espera por ela a sociedade de consumo que lhe reserva lugar de destaque.  Se referindo às crianças Souza ressalta que:
 
elas já nascem usando a fralda X, bebendo o leite Y e brincando com a boneca Z. Deste modo, assimilam, desde muito cedo e com rapidez, os valores que atuam como manipuladores dos significantes sociais. Isto significa dizer que já não se consome o objeto em si, mas o que ele representa para as pessoas que o possuem. Desta forma a boneca Z não é apenas um brinquedo, mas assume um lugar de signo, é desejada por todas as crianças; tê-la significa ter status, ser admirada, respeitada e invejada por outros. (Souza)

 Na era do marketing a função de um objeto já não importa mais, um prato deve não apenas cumprir a função de recipiente para o alimento e deleitar os olhos com sua beleza, por exemplo, mas oferecer algo que satisfaça a um recém criado e fugaz anseio afetivo. O nome, a expressão, o sentimento, o personagem associados aos objetos é que ditam seus valores. Sua função é secundária. Os objetos não têm mais a função que, a princípio, cumpririam, mas a de um afeto, um status, um ideal de ser. A cultura pela qual a criança se insere no mundo se faz muitas vezes objeto de consumo, cinema, música, e teatro são capturados pela lógica do consumo e tornam-se produtos acompanhados por uma série de outros, como jogos, bonecos, roupas e mochilas. Ou seja, a arte, capturada, passa ser o mero veiculador de uma linha de produtos pré-planejados.
 
Elevadas jornadas de trabalho dos pais, horários desencontrados e crianças sozinhas fazem parte do contexto no qual a TV ocupou um lugar decisivo na cultura do consumo. Crianças passam horas sozinhas em casa em frente ao aparelho, sendo a criança brasileira a que assiste mais horas de TV por dia, uma média de 4h e 20 diárias. A publicidade deixa então de se dirigir aos pais e conceber a criança como filha do cliente, e passa a dialogar diretamente com a criança sendo, ela mesma, a cliente. Apropria-se então, de sua imagem e sua linguagem, atraindo seu olhar para vender produtos e formas de ser que não são necessariamente para crianças.

Se entendermos de maneira mais ampla a TV, levando em conta aspectos técnicos, estéticos e sociais pode-se dizer que esta opera como um meio de controle social. A mídia promove o consumo de imagens através da promessa de felicidade, criando uma anulação das diferenças reais em prol de uma personalização dos produtos. A diferença configura-se então como uma das opções propostas pelo sistema em detrimento da singularidade, apenas diferenças marginais são permitidas. A ampliação de um mercado, tornando maior o potencial de uma população de consumidores pressupõe a massificação. Dá-se assim uma homogeneização dos desejos principalmente através da mídia, e a promessa de satisfação, pelo consumo, dos desejos produzidos pelo e para o próprio consumo. Ao mesmo tempo em que a mídia, de certa maneira, democratiza o saber e novas possibilidades de experiências, pelo som e pela imagem, cria uma homogeneização de costumes, valores e subjetividade. O desejar distancia-se da singularidade, daquilo que pode ser único e novo e aproxima-se dos modelos, dos modos de ser tão sedutores criados para a massificação. O consumo torna-se referência para o desejar e o sonhar, e as pessoas passam a ser identificadas socialmente pelos objetos que possuem ou representam. E como em classes menos favorecidas e em países inteiros menos desenvolvidos o consumo de bens é menor, o que a mídia promove é o consumo de padrões subjetivos, idéias, comportamentos.
 
Tecer uma análise crítica das concepções de infância criadas no bojo da sociedade de consumo e disseminadas principalmente pela mídia e pela publicidade, não se constitui em tarefa simples. Principalmente quando se pretende atentar para os efeitos destas na construção da infância no contemporâneo. Que comportamentos disparam? Que desejos? Que formas de ser produz? Atentar para a captura da infância pelo capital nos convoca ( pais, educadores, psicólogos, etc) a assumir uma postura política em nosso cotidiano: ou vamos seguir o eterno repetir de padrões caindo na armadilha da homogeneização subjetiva e alimentar o sistema ou vamos buscar maneiras de resistência e frustrar essas modelizações, abrindo espaço às diferenças e ao novo e construir na nossa relação com as crianças um espaço de relações consistentes e de criação.

Um comentário:

  1. NO Youtube tem um ótimo documentário sobre o tema, não sei se vcs já viram:

    http://www.youtube.com/watch?v=rW-ii0Qh9JQ

    Alias, mais um texto exemplar no blo Coletivo Caju.

    Parabéns!

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