quarta-feira, 16 de março de 2011

Eles querem te vender felicidade

Eu sempre tive uma veia de revolta. Nunca soube explicar bem de onde isso vinha, mas desde criança sempre me senti um peixe fora d´água. Não me enturmava bem com as outras crianças e tinha interesses meio adversos. Gostava de estudar e era muito curiosa, a criança dos “por quês”.

A primeira forma de opressão que eu entendi e me identifiquei foi por ter nascido meninA. Com um grande A no final. Em um determinado momento da minha pré-adolescência eu vi todo o meu gosto pelos estudos ser ressignificado a partir do momento em que mulheres, ou meninAs que estão no caminho de se tornar mulheres, não são estimuladas a pensar. Comecei constantemente, tanto dentro de casa quanto na escola, a me sentir sempre em segundo plano, quase como se eu tivesse que gritar para fazer alguém perceber que eu era tão inteligente quanto qualquer meninO que freqüentava a mesma sala de aula que eu. O que acabou gerando algum dano a minha auto-estima. O mundo queria (e ainda quer) que eu acredite que sou burra, e os meninOs, que agora cresceram e se chamam de homens, me lembram o tempo todo que eu não posso ter idéias próprias, afinal eles estão aí pra isso, para pensarem por mim.

Pois bem. Esse tipo de questionamento tomou conta de boa parte da minha adolescência. E foi ali, tentando entender meu papel social, tentando entender por que o dia dos namorados era tão importante pra mim, e tentando entender por que eu achava (ou será que achavam por mim?) que um namorado era algo tão importante na vida, senão vital, que eu abri as portas e janelas da minha mente. Foi um processo lento. Mas aos poucos fui me interando das opressões e restrições que assolam nosso mundo.

Ainda jovem entendi que racismo não ficou para trás nos livros de História. Ele vive em cada esquina. Aos 15 anos tive um namorado negro, e vivi na minha pele branca essa opressão. Não é fácil fazer parte das minorias, principalmente quando supostamente você não faz. Escolher estar ao lado deles, dos excluídos, dos socialmente rejeitados, dos historicamente oprimidos, não é uma escolha fácil. Mas para mim nunca foi uma escolha propriamente dita, foi quase como que um impulso, algo que não foi possível evitar. Eu me via apenas como um ser humano, não olhava cor, classe social, gênero... Com o tempo e com o aprofundamento das idéias fui percebendo que é claro que olhava, essas questões acabam ficando impressas no nosso inconsciente quer queiramos ou não.

E lá pelos meus 20 anos aconteceu algo que foi transformar tudo. Essa sim posso dizer que era uma forma de opressão que nunca havia conseguido vislumbrar sozinha, precisei ser sacudida, mastigada, engolida e vomitada para que a realidade me invadisse.

Tudo aconteceu num churrasco. Quanta ironia! Era aniversário de uma grande amiga na época, a mais antiga. E lá estava uma outra amiga, uma amizade não tão antiga, mas que tem se provado uma das mais fortes. E a nova amiga não estava comendo carne. Veja só... E começou a falar sobre um documentário que havia assistido, e contava histórias de animais mortos de formas horríveis. Eu fiquei com aquilo na cabeça, já havia conhecido uma menina no pré-vestibular que também não comia carne e uma vez quanto a interroguei do por que ela começou a chorar e dizer que os animais sofrem. E também tinha uma prima, que não comia carne e tinha o mesmo discurso da amiga no churrasco. Voltei pra casa decidida assistir ao tal documentário.

Era o Earthlings. E foi ali que passou o furacão. Dessa vez as minhas portas e janelas não foram abertas de forma lenta e gradual, elas foram arrancadas e jogadas longe. O “ideal vegan” entrou na minha vida sem pedir licença. Novamente, foi praticamente um impulso, eu não podia compactuar com tudo aquilo. Quem pode?

Em algumas semanas eu havia devorado textos, vídeos, livros... Conheci idéias, pensadores e notei que o veganismo era a ideologia mais completa com a qual eu já havia me deparado. Não é somente uma luta para que as pessoas parem de comer carne, como muitos pensam. A partir do momento que você compreende que não há razão para oprimir outro ser somente porque ele pertence a uma espécie distinta da sua, tudo muda.

E é aí que falo que essa é uma forma de opressão de difícil compreensão. Durante a minha adolescência, eu conseguia entender que negros não são mercadorias ou inferiores, mulheres também não o são... Mas talvez tivesse sido fácil porque eu sentia isso na pele, porque era algo que me afetava e com a qual eu conseguia me relacionar tão facilmente. E acho que exatamente por isso que o documentário me foi tão eficiente.

O que mais me chamou atenção ali foram as cenas com as vacas leiteiras. Esse foi o gatilho que me fez conectar com os demais animais do planeta, me mostrar o meu lado mais animal, um momento que eu nunca nem vivenciei (eu nunca pari nem amamentei), mas que mostra nosso lado animalesco, uma verdade que constantemente fugimos e mascaramos. Sim! Nós somos animais! Encarem o fato de frente!

Hoje já se passou um bom tempo desde a primeira vez em que assisti o Earthlings. E meus estudos e práticas em relação ao veganismo já se aprofundaram bastante. Hoje eu compreendo que nenhuma forma de opressão pode ser considerada isoladamente, todas elas são frutos da História e da Cultura. E não há como falar de uma opressão sem encostar nas demais, TODAS AS FORMAS DE OPRESSÃO TEM A MESMA ORIGEM E, NO FUNDO, SÃO A MESMA OPRESSÃO.

A minha atual concepção entende o veganismo como a luta contra a sociedade de consumo. A busca desenfreada por produtos que supostamente nos trazem felicidade, leva a exploração de recursos que são finitos e de outros que não são recursos at all, são seres explorados e escravizados, e eu já não estou falando somente de animais não-humanos. O capitalismo nos vende prazer sob um falso rótulo de felicidade. But guess what? A felicidade é outro animal mitológico! Não, isso não é papo quem está depressivo prestes a cortar os pulsos. O conceito de felicidade foi criado para nos manter na linha, no passado a felicidade estava no reino dos céus, e assim a Igreja mantinha todo mundo na linha. No presente a felicidade está no dinheiro e no seu poder de compra, e assim o capital te mantem fazendo exatamente aquilo que ele quer: consumindo.

A pessoa que decide adotar o veganismo como filosofia de vida tem que ser alguém que tenha seriamente refletido sobre seus conceitos de prazer e felicidade. Porque carne É gostoso! Queijo É gostoso! E todos esses produtos industrializados, cheio de corantes, leite, ovos e glutamato monossódico SÃO gostosos! E se você vai abrir mão deles você estará SIM abrindo mão de muitos aspectos prazerosos da vida, inclusive aspectos sociais que também são prazerosos. Não haverá mais rodízio de pizzas com os amigos num sábado a noite nem churrascos de domingo. Não, não haverá mais!

Eu estou dizendo tudo isso pra mostrar que é necessário, urgentemente necessário, rever os nossos conceitos sobre prazer. O vegan que não repensa seus conceitos sobre prazer, acaba caindo. Por que alguém “caí” do veganismo? Porque sucumbe aos prazeres efêmeros do capital, mesmo que alguns se mascarem atrás da “necessidade”.

É comum escutar histórias de vegans que caem quando vão fazer uma viagem ou algo assim. Dizem estar num lugar estranho, onde não conhecem os lugares, não sabem onde adquirir seus produtos vegans e lá vão em direção ao queijo, etc. Quer dizer que só consegue ser vegan se houver um mercado (aqui entendido como publico alvo, e não supermercados) vegan? Se puder comprar industrializados e produtos gostosinhos é vegan, se não fica muito difícil e apelam para o bom, velho e apetitoso queijinho?

Ninguém morre ou fica doente se passar alguns dias ou até semanas, comendo pão e batata. E esses dois alimentos acabam sendo a base para qualquer vegan em qualquer viagem. Eu vou repetir, você não vai morrer nem ficar doente se comer somente pão e batata por alguns dias ou até mesmo semanas. Mas com certeza não será gostoso.

2 comentários:

  1. E da uma lida nisso aqui, que lindo:

    http://vilamulher.terra.com.br/gabrielamachareth/quando-a-alimentacao-correta-vira-patologia-9-4077483-63423-pfi.php

    Depois quando digo que "ciencia psi" é partido político, dizem que estou exagerando. Vale um artigo ao não?

    Bjookkksssss

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