Ultimamente a maioria dos lugares onde eu chego não demora muito para receber uma chuva de perguntas e olhares. E bem seguido a isso instala-se a polêmica. É que já faz algum tempinho que percebi que o único caminho rumo à transformação é o radicalismo, e não o caminho do meio.
O caminho do meio não é esse mundo de flores não. Geralmente ele é pintado como sendo um estado de paz de espírito, harmonia, mas está muito longe disso tudo.
O caminho do meio é aquele que leva muitos a estagnarem no seu ovo-lacto-vegetarianismo. Pessoas que dizem que não veem problema nenhum em ter uma vaquinha no quintal, algumas galinhas e “trocar” com elas. Mas não tem vaquinhas, nem galinhas, nem quintal e continuam adquirindo leite, ovos e derivados no supermercado mais próximo. Pessoas que não compreendem o quão prejudicial anos e anos de domesticação foi, e é, a esses animais.
O ser humano foi selecionando artificialmente todas as espécies que o cercam, animais ou vegetais. Esse papo de modificação genética não é somente papo de transgênicos e laboratórios high tech não. Modificação genética também é escolher que vai cruzar com quem, beneficiando e transmitindo as características que EU quero que sejam beneficiadas e transmitidas. Aliás, foi observando exatamente isso, que Darwin chegou a Teoria da Evolução através da seleção natural.
Esse caminho do meio não é bonito e pacífico. Esses dias escutei uma moça que disse que foi vegan durante muitos anos, mas já não o é mais, preferiu o caminho do meio. E ela me perguntou se eu já havia tido vacas em casa, e me explicou que quando adquiriu o sítio dela havia uma única vaca no local, que estava grávida. Ela cuidou da vaca e de seu bezerro, não quis vendê-los, nem separá-los. Mas que o bezerro cresceu, virou um touro e continuou mamando na mãe. A pobre vaquinha ficava machucada por conta das chifradas que tomava de seu filho adulto que ainda mamava e seu leite pingava, pois o animal já não o consumia com tanta frequência. E foi aí que ela decidiu começar a extrair um pouco do seu leite para consumo próprio.
Primeiro cabe a comparação do nosso boi domesticado com outros animais semelhantes a ele, como búfalos, por exemplo. Em seu estado selvagem, nenhuma fêmea viveria para sempre sozinha com seu filhote. Esses são animais que vivem em bando, e o simples fato de estarem privados dessa convivência social já lhes é prejudicial. Isso não é “trocar” com esses animais. Isso é forçá-los a viver a milhares de quilômetros de sua forma natural e satisfatória. Isso é buscar argumentos falaciosos para justificar a exploração!
A mesma coisa vale para a galinha doméstica. Também já ouvi, de outra pessoa, que muitas galinhas colocam seus ovos e os abandonam, se não forem consumidos estragam e fedem muito. Mais uma vez vou falar de seleção artificial. Há quanto tempo essas aves estão domesticadas? Tempo suficiente para tê-las tornado levemente mais gordinhas, com a taxa de reprodução maior e uma maior postura de ovos. Tudo isso para benefício de quem? Do seu maior algoz.
Mas o caminho do meio não está restrito ao especismo, ele se espalha por todos os meandros da nossa sociedade, como água que entra por debaixo da porta e toma todo o chão por onde pisamos.
Nas discussões de gênero mais uma vez me deparo com ele. É comum escutar frases como “ah, eu concordo com você que mulheres não devem apanhar do marido e que não é legal ela se matar na cozinha, limpar e passar enquanto o folgado assiste TV e coça o saco, mas daí a dizer que maquiagem e salto alto é sinônimo de machismo já é demais”. Não, não é demais! Demais é ter que aturar piadinhas infames sobre frescuras, excesso de vaidade e atividades do lar. Demais é ter que engolir cantadas na rua. Demais é ter que conviver com roupas e sapatos desconfortáveis para poder trabalhar. Demais é ter que ouvir seus professores (homens) abrindo caminho para seus colegas de turma (homens), elogiando-os e fornecendo oportunidades a eles, enquanto você é renegada a um canto da sala, não importe o quanto grite. Demais é constatar tudo isso. Constatar!
O caminho do meio também está no sistema econômico vigente. Essa coisa de dizer que não precisamos ser contra o capitalismo para lutar contra a exploração dos animais, ou para desejar igualdade entre seres humanos, querer que ninguém seja explorado em fábricas na China ou coisas semelhantes. E eu pergunto: como não? Essa é a base do sistema capitalista: desigualdade! Para que o dono da Nike possa fica bilionário, fabricar seus tênis ao menor preço possível e vendê-lo com o maior lucro possível, ele não pode se dar ao luxo de tratar bem seus funcionários, pagar salários que permitam que eles levem vidas dignas sustentando suas famílias.
E ainda digo mais. Essa coisa de dizer “eu não acho legal que as empresas tratem seus funcionários assim, mas eu não vou deixar de comprar meu Nike por causa disso. Se eles quiserem mudar suas políticas seria ótimo, mas até lá paciência” é a maior merda que esse papinho de caminho do meio já inventou.
Sem falar nos danos ambientais gerados por um sistema baseado no consumo. Para que as pessoas (que não são poucas) possam consumir, os produtos tem que ser fabricados, e para serem fabricados a matéria-prima tem que vir de algum lugar. E lá vamos nós destruir a Amazônia, cavar grandes minas, dizimar espécies, poluir os rios, os mares, o ar...
O caminho do meio é aquele que diz “se você não gosta de pintar as unhas e andar maquiada, tudo bem, mas respeite quem gosta”; “se você não quer comer carne, ovos e leite tudo bem, mas respeite quem quer”; “se você não quer comprar Nike tudo bem, mas respeite quem quer”. Só que não é bem assim que a coisa funciona, não é mesmo...
Quem vai respeitar o animal que jaz morto no SEU prato? Quem vai respeitar o cabelo em baixo do MEU sovaco e me dar um emprego com ele lá, no lugar onde quiser nascer? Quem vai respeitar o trabalhador nas fábricas da China, com jornadas e salárias próximos a de um escravo? Quem vai respeitar as árvores no chão e os rios transformados em grandes esgotos?
O discurso do caminho do meio vem floreado e mascarado. Pode até parecer bonito e convincente a muitos desavisados. Mas é falacioso e egoísta. Eu não estou aqui, falando de animais mortos porque quero que você respeite o fato de EU ser vegetariana. Estou falando disso porque quero que você respeite os animais que você insiste em comer. E veja bem, isso não é te desrespeitar, isso é apenas ressaltar o fato de que o SEU discurso sobre respeito vai somente até onde o SEU ego permite. Todo resto é comodismo.
Eu fico cansada de ver as pessoas se perderem num imenso labirinto de argumentos vazios e mentirosos apenas para justificar suas atitudes. Às vezes acho que, no fundo no fundo, elas sabem que o que estão fazendo prejudica enormemente uma série de vidas, mas não desejam admitir isso nem para si próprias. Por quê? Por que tanto medo de sair da zona de conforto? Por que tanta estagnação se é tão mais fácil viver o amor e o verdadeiro respeito?
E antes que algum seguidor do caminho do meio venha atacar meu texto por ter misturado várias formas de opressão, eu peço encarecidamente que saiam de cima do muro, pois todas as formas de opressão são exatamente a mesma opressão. Eu não vou mais traçar esse paralelo tradicional, porque não é uma questão comparativa simplesmente, é exatamente a mesma coisa. E eu só não citei mais realmente por falta de espaço, mas pense nos homossexuais, nos transgênero, nos que não desejam ter gênero, nos negros, nos asiáticos, nos indígenas, nos gordos, nos que nasceram bastante fora do padrão de beleza vigente, nos que tem narizes grandes, nos dentuços, naquele menino que gostava de matemática na sua escola e passava o recreio sozinho num canto do pátio... Pense nas menores coisas, vasculhe seus maiores e menores preconceitos. Todos eles tem exatamente a mesma raíz, eles não são parecidos, eles são a mesma coisa.
O caminho do meio é, na verdade, uma ponte sutil que leva para o caminho da direita. Ele fornece uma alternativa para as pessoas que não conseguem viver com a culpa, diz a elas “fique tranquila, você está fazendo alguma coisa, vai ficar tudo bem”. Entrar e seguir essa via, é aceitar o sistema como ele é, apenas mascarado de um discurso politicamente correto.
Para tornar esse um mundo realmente harmonioso a gente tem que parar de fingir que respeita o outro, ampliar nosso campo de visão e passar a verdadeiramente respeitar OS OUTROS.
Bravo! Quer dizer, brava... (:
ResponderExcluir"Para que o dono da Nike possa fica bilionário, fabricar seus tênis ao menor preço possível e vendê-lo com o maior lucro possível, ele não pode se dar ao luxo de tratar bem seus funcionários, pagar salários que permitam que eles levem vidas dignas sustentando suas famílias."
Isso é verdade.
"Nas discussões de gênero mais uma vez me deparo com ele. É comum escutar frases como “ah, eu concordo com você que mulheres não devem apanhar do marido e que não é legal ela se matar na cozinha, limpar e passar enquanto o folgado assiste TV e coça o saco, mas daí a dizer que <> já é demais”. Não, não é demais!"
"[...] E eu só não citei mais realmente por falta de espaço, <>, nos que não desejam ter gênero, nos negros, nos asiáticos, nos indígenas, nos gordos, nos que nasceram bastante fora do padrão de beleza vigente, [...]"
E o que você acha dos travestis que usam batom, maquiagem e se depilam para os amantes. Seria também um símbolo machista? Ou deveriam ficar ao natural? Desculpe a pergunta cabeluda.
Bravo! Quer dizer, brava... (:
ResponderExcluir"Para que o dono da Nike possa fica bilionário, fabricar seus tênis ao menor preço possível e vendê-lo com o maior lucro possível, ele não pode se dar ao luxo de tratar bem seus funcionários, pagar salários que permitam que eles levem vidas dignas sustentando suas famílias."
Isso é verdade.
"E eu só não citei mais realmente por falta de espaço, mas pense nos homossexuais, nos transgênero, [...]"
E o que você acha dos travestis que usam batom, maquiagem e se depilam para os amantes. Seria também um símbolo machista? Ou deveriam ficar ao natural? Desculpe a pergunta cabeluda.