“O machismo nunca brocha!”
Esta sincera frase foi cunhada por uma grande companheira de luta. Infelizmente, a lógica fálico-racional que regula a credibilidade dos discursos atribui à sátira um lugar desprezível em nossa sociedade. Pudera! É no seio deste gênero literário, que hoje abarca um sem número de maneiras de se exprimir (charges visuais, sketches em vídeo, por aí vai) que as maiores críticas ao falo acontecem. Por vezes, o próprio falo troça de si, desnaturalizando-se, mas por vezes nós, companheiras de luta, também nos utilizamos deste espaço que é, talvez, o mais didático que possuímos. Frente aos riscos pedagógicos que a sátira oferece ao status quo, convém ao falo marginalizá-la; portanto, a frase de nossa companheira lutadora, semanticamente rica e de uma clareza por demais perigosa, é afastada de nossas reflexões filosóficas. Fazê-lo, porém, só concentra ainda mais o poder no grande falo simbólico que regula nossas vidas.
Como este manifesto também se dirige aos companheiros de luta que já tenham se entendido como sujeitos da opressão e que estão profundamente comprometidos em deixar de sê-lo, traduzirei a frase de nossa companheira.
O machismo está presente, provavelmente, em todas as organizações sócio-culturais da face do planeta. Porém, em cada cultura assume uma face, respondendo às configurações materiais dos locais onde tais culturas estão estabelecidas. Em certos lugares, como o país tropical onde vivo, é dever da mulher despir-se; em outros, o papel da mulher é cobrir-se. De uma maneira ou de outra, o corpo da mulher passa por uma economia de panos que é também uma economia simbólica: em cada lugar, ser mulher significa uma coisa distinta, mas há algo que nunca muda: esse significado é cuidadosamente desenhado ou dirigido por homens. Então, para cada homem de cada sociedade, a mulher LHE significa algo de diferente. Nunca percamos essa informação de vista: é ela que nos permite ver que as mulheres não têm nacionalidade, senão a de ser mulher. As nacionalidades hoje configuradas no globo nada mais são do que pantomimas, tristes e toscos teatros através dos quais o machismo só faz se reafirmar e se reproduzir.
Portanto, compreendo que o caso a seguir narrado pode não ser encontrado na cultura da lutadora que tem em mãos esse documento. Todavia, a causa do ocorrido está presente em todas as civilizações hoje habitantes do planeta Terra. É possível que, em uma sociedade mais profundamente infiltrada da moral burguesa, pareça um relato abstrato e descabido. No Brasil, contudo, que é onde se passa essa história, é assim que as coisas procedem: a moral burguesa encontra barreiras sócio-econômicas e culturais que nos divide, mulheres, entre as classes operárias e os setores médios da população. Se uma ou outra moral imperasse, o caso seria banal, mas é no choque das ideologias classistas que a polêmica vem à tona, e vem à tona pela força e interesse do machismo.
Minha sociedade chocou-se com o fato de uma mulher ter abandonado uma criança de oito meses em uma lixeira. O caso foi amplamente divulgado, e a mulher, que ainda não foi identificada, sumariamente condenada por rejeitar a dádiva fálica de ser mãe.
Concordo que seja de fato uma situação triste. Concordo que é uma ruína que um ser vivo com perfeitas condições de crescer, desenvolver-se, experimentar o planeta em todas as suas manifestações físicas e psíquicas de prazer, seja abandonado à própria sorte como foi. E aqui entra nossa inimiga Biologia, disfarçada de senso comum, infiltrada veladamente nos meios de comunicação de massa: trata a mulher como desnaturada, quer seja: mulher que inexplicavelmente perdeu sua natureza biológica, isto é, encontra-se desprovida de seu senso natural de maternidade.
A Biologia tem mil disfarces, sendo uma longa tradição de pesquisadores-pensadores que fazem circular suas idéias dentro e fora dos meios científicos com técnicas que foram aprimoradas com centenas de anos de experiência. Eis uma: quando a infiltração moral do falocentrismo é por demais evidente e potencialmente representa um demérito para a própria Biologia, ela vai declamar sua ode ao falo em outras paragens. Talvez não se encontrem, nas grandes universidades, nos respeitados papers da academia, artigos a respeito da maternidade inerente à mulher. Isto porque a Biologia está incansavelmente de plantão ao lado dos grandes meios de comunicação de massa, das revistas e dos jornais. Sempre à escuta da possibilidade de propagar suas teorias mais ardentes, suas teorias mais infundadas, em publicações que prescindam de provas: para o jornal, a prova de que o biólogo diz a verdade é ser ele biólogo.
E a Biologia é hoje responsável pela circulação de um mito um tanto antigo, mas que continua a reger a vida de milhões de mulheres no planeta. Embora ela já tenha se revisto e hoje já não apóie mais seu antigo discurso, plantou em seu lugar novas mentiras que, por meio deste manifesto, hão de cair em muito breve. Essa mentira é de que a mulher é corporal e materialmente incapaz de sentir orgasmos, a não ser como uma manifestação de sua psique histérica.
O mito de que a mulher é um não-sexo, de que ela é apenas um ícone que adula e realiza a sexualidade do falo, sexualidade esta externa à mulher, alheia, é o que torna todas as violências sexuais, físicas e simbólicas, possíveis. Alienada de seu próprio corpo, e sempre pressionada a comparecer ao coito, a mulher logo se conforma com o fato de que seu prazer na cama, se não irrealizável, é em geral secundário ao do homem. Esse pensamento, aliado a uma longa criação de submissão e silêncio, logo faz com que a mulher deixe de importar-se com seu próprio corpo, contentando-se em ser objeto de desejo, em oposição a um sujeito que deseja.
O clímax desse coito é, logo, o orgasmo do homem. O esperma é o ponto final viscoso do ato sexual: depois disso, vem o banho, vem a cama, ou vem um arrumar-se apressado para continuar a vida. Se a mulher está ou não saciada, satisfeita, não vem ao caso, pois o grande falo agora vai descansar. A ejaculação, assim, tem a função indispensável de sinalizar que ali acaba o prazer, sendo também o símbolo máximo de uma submissão que não raro é paternalista: a mulher recebe o leitinho, a semente. Mesmo quando o sexo não visa à reprodução, alude a ela, simula-a, encena-a; a mulher é simultaneamente o latifúndio e o território que deve ser assinalado pelas gônadas do macho.
Daí vem o problema plástico da camisinha, que interrompe o ritual da submissão. A camisinha, objeto descartável, levemente disforme, corta o prazer sexual do homem em sua raiz simbólica. Ele tentará a todo custo removê-la, e nesse sentido perverterá a libertadora pílula anticoncepcional numa prisão química para que a mulher não procrie, mas também não deixe de receber a hóstia do coito, o leite sagrado.
Dizem que a camisinhas foi o primeiro método contraceptivo a ser criado. Já ouvi histórias que datam de milênios. Uma vez tive uma professora de história que disse que o famoso Rei Sol, na França, mandava fabricar camisinhas com pedras preciosas, para impressionar suas amantes. Fiquei pensando o que eu pensaria se alguém me mostrasse sua pica coberta de brilhantes: “acho que essa porra vai me arranhar...”.
Esta sincera frase foi cunhada por uma grande companheira de luta. Infelizmente, a lógica fálico-racional que regula a credibilidade dos discursos atribui à sátira um lugar desprezível em nossa sociedade. Pudera! É no seio deste gênero literário, que hoje abarca um sem número de maneiras de se exprimir (charges visuais, sketches em vídeo, por aí vai) que as maiores críticas ao falo acontecem. Por vezes, o próprio falo troça de si, desnaturalizando-se, mas por vezes nós, companheiras de luta, também nos utilizamos deste espaço que é, talvez, o mais didático que possuímos. Frente aos riscos pedagógicos que a sátira oferece ao status quo, convém ao falo marginalizá-la; portanto, a frase de nossa companheira lutadora, semanticamente rica e de uma clareza por demais perigosa, é afastada de nossas reflexões filosóficas. Fazê-lo, porém, só concentra ainda mais o poder no grande falo simbólico que regula nossas vidas.
Como este manifesto também se dirige aos companheiros de luta que já tenham se entendido como sujeitos da opressão e que estão profundamente comprometidos em deixar de sê-lo, traduzirei a frase de nossa companheira.
O machismo está presente, provavelmente, em todas as organizações sócio-culturais da face do planeta. Porém, em cada cultura assume uma face, respondendo às configurações materiais dos locais onde tais culturas estão estabelecidas. Em certos lugares, como o país tropical onde vivo, é dever da mulher despir-se; em outros, o papel da mulher é cobrir-se. De uma maneira ou de outra, o corpo da mulher passa por uma economia de panos que é também uma economia simbólica: em cada lugar, ser mulher significa uma coisa distinta, mas há algo que nunca muda: esse significado é cuidadosamente desenhado ou dirigido por homens. Então, para cada homem de cada sociedade, a mulher LHE significa algo de diferente. Nunca percamos essa informação de vista: é ela que nos permite ver que as mulheres não têm nacionalidade, senão a de ser mulher. As nacionalidades hoje configuradas no globo nada mais são do que pantomimas, tristes e toscos teatros através dos quais o machismo só faz se reafirmar e se reproduzir.
Portanto, compreendo que o caso a seguir narrado pode não ser encontrado na cultura da lutadora que tem em mãos esse documento. Todavia, a causa do ocorrido está presente em todas as civilizações hoje habitantes do planeta Terra. É possível que, em uma sociedade mais profundamente infiltrada da moral burguesa, pareça um relato abstrato e descabido. No Brasil, contudo, que é onde se passa essa história, é assim que as coisas procedem: a moral burguesa encontra barreiras sócio-econômicas e culturais que nos divide, mulheres, entre as classes operárias e os setores médios da população. Se uma ou outra moral imperasse, o caso seria banal, mas é no choque das ideologias classistas que a polêmica vem à tona, e vem à tona pela força e interesse do machismo.
Minha sociedade chocou-se com o fato de uma mulher ter abandonado uma criança de oito meses em uma lixeira. O caso foi amplamente divulgado, e a mulher, que ainda não foi identificada, sumariamente condenada por rejeitar a dádiva fálica de ser mãe.
Concordo que seja de fato uma situação triste. Concordo que é uma ruína que um ser vivo com perfeitas condições de crescer, desenvolver-se, experimentar o planeta em todas as suas manifestações físicas e psíquicas de prazer, seja abandonado à própria sorte como foi. E aqui entra nossa inimiga Biologia, disfarçada de senso comum, infiltrada veladamente nos meios de comunicação de massa: trata a mulher como desnaturada, quer seja: mulher que inexplicavelmente perdeu sua natureza biológica, isto é, encontra-se desprovida de seu senso natural de maternidade.
A Biologia tem mil disfarces, sendo uma longa tradição de pesquisadores-pensadores que fazem circular suas idéias dentro e fora dos meios científicos com técnicas que foram aprimoradas com centenas de anos de experiência. Eis uma: quando a infiltração moral do falocentrismo é por demais evidente e potencialmente representa um demérito para a própria Biologia, ela vai declamar sua ode ao falo em outras paragens. Talvez não se encontrem, nas grandes universidades, nos respeitados papers da academia, artigos a respeito da maternidade inerente à mulher. Isto porque a Biologia está incansavelmente de plantão ao lado dos grandes meios de comunicação de massa, das revistas e dos jornais. Sempre à escuta da possibilidade de propagar suas teorias mais ardentes, suas teorias mais infundadas, em publicações que prescindam de provas: para o jornal, a prova de que o biólogo diz a verdade é ser ele biólogo.
E a Biologia é hoje responsável pela circulação de um mito um tanto antigo, mas que continua a reger a vida de milhões de mulheres no planeta. Embora ela já tenha se revisto e hoje já não apóie mais seu antigo discurso, plantou em seu lugar novas mentiras que, por meio deste manifesto, hão de cair em muito breve. Essa mentira é de que a mulher é corporal e materialmente incapaz de sentir orgasmos, a não ser como uma manifestação de sua psique histérica.
O mito de que a mulher é um não-sexo, de que ela é apenas um ícone que adula e realiza a sexualidade do falo, sexualidade esta externa à mulher, alheia, é o que torna todas as violências sexuais, físicas e simbólicas, possíveis. Alienada de seu próprio corpo, e sempre pressionada a comparecer ao coito, a mulher logo se conforma com o fato de que seu prazer na cama, se não irrealizável, é em geral secundário ao do homem. Esse pensamento, aliado a uma longa criação de submissão e silêncio, logo faz com que a mulher deixe de importar-se com seu próprio corpo, contentando-se em ser objeto de desejo, em oposição a um sujeito que deseja.
O clímax desse coito é, logo, o orgasmo do homem. O esperma é o ponto final viscoso do ato sexual: depois disso, vem o banho, vem a cama, ou vem um arrumar-se apressado para continuar a vida. Se a mulher está ou não saciada, satisfeita, não vem ao caso, pois o grande falo agora vai descansar. A ejaculação, assim, tem a função indispensável de sinalizar que ali acaba o prazer, sendo também o símbolo máximo de uma submissão que não raro é paternalista: a mulher recebe o leitinho, a semente. Mesmo quando o sexo não visa à reprodução, alude a ela, simula-a, encena-a; a mulher é simultaneamente o latifúndio e o território que deve ser assinalado pelas gônadas do macho.
Daí vem o problema plástico da camisinha, que interrompe o ritual da submissão. A camisinha, objeto descartável, levemente disforme, corta o prazer sexual do homem em sua raiz simbólica. Ele tentará a todo custo removê-la, e nesse sentido perverterá a libertadora pílula anticoncepcional numa prisão química para que a mulher não procrie, mas também não deixe de receber a hóstia do coito, o leite sagrado.
Clique na foto!
Dizem que a camisinhas foi o primeiro método contraceptivo a ser criado. Já ouvi histórias que datam de milênios. Uma vez tive uma professora de história que disse que o famoso Rei Sol, na França, mandava fabricar camisinhas com pedras preciosas, para impressionar suas amantes. Fiquei pensando o que eu pensaria se alguém me mostrasse sua pica coberta de brilhantes: “acho que essa porra vai me arranhar...”.
Eu não possuo os dados para afirmar com certeza quando, como ou por que a camisinha foi inventada. Talvez tenha sido algum fetiche, vai saber.
O fato é que, na nossa sociedade falocêntrica, baseada numa cultura judaica-cristã, a camisinha acaba sendo a grande inimiga. Afinal, num sociedade onde o sexo é algo que acontece no mundo privado, como é que os machos provam que suas picas funcionam? A resposta óbvia é: engravidando SUAS mulheres.
A pílula anticoncepcional surgiu com o slogan de libertação feminina. Mas mal sabiam elas que era apenas mais uma algema disfarçada. Essa prisão química, muitas vezes é a porta de saída da libido feminina. Não é incomum ouviu mulheres relatando uma queda significatica na libido após o início do uso da pílula. Sem contar todos os efeitos colaterais a curto e longo prazo da ingestão continuada de hormônios: varizes, retenção de líquidos, aumento nas chances de câncer de ovário, aumento na chance de câncer de mama...
Além do que, quem usa pílula são mulheres de classe média e alta. Às classes mais baixas. Muitas vezes falta informação sobre como tomar a pílula de maneira correta. Conversando certa vez com um tio ginecologista ouvi coisas assustadoras acontecendo em pleno séc. XXI: mulheres que achavam que deveriam tomar uma pílula após cada relação; outras que pensavam ter que introduzir a pílula na vagina antes da relação. Uma grande confusão que é atravessada por diversos tipos de opressão, mas todas igualmente centradas no falocêntrismo.
A pressão para tirar a camisinha é igualmente grande. Que machão que aceita “chupar a bala com papel”. E é sempre em favor do prazer DELE que pressionam para tirar o artefato de látex. E se ela engravidar? Azar! Quem mandou abrir as pernas? Agora que crie sozinha, com todo o estigma que, ainda hoje, carrega uma mãe solteira. Se tiver dinheiro pode recorrer a uma clínica de abortos supostamente muito boa. Se não tiver, paciência. Tenta a sorte com citotec ou joga na lixeira do hospital.
A verdade é que todos os úteros estão a serviço do grande falo dourado. E se você se recusar a utilizar o seu, irá queimar nas fogueiras santas. Como ousa? Que heresia!
Enquanto os homens não iniciarem seus caminhos para compreender e lutar contra seu próprio machismo, essa luta continuará sendo inglória. É chegada a hora de compreender que o prazer masculino não vale mais, e que a camisinha FICA! Porque o MEU útero não é uma máquina geradora da sua prole, não estou aqui a serviço da linhagem real das picas douradas!
Vídeo da Semana:
Nenhum comentário:
Postar um comentário